Ned e as meninas tinham partido havia oito diasquando Meistre Luwin veio ter com Catelyn uma noite, no quarto de doente de Bran, transportando uma candeia de leitura e os livros de contas.
– Já é mais que tempo de rever os números, minha senhora – ele disse. – Vai querer saber
quanto nos custou essa visita real.
Catelyn olhou Bran em sua cama, afastou-lhe os cabelos da testa e percebeu que tinham
crescido muito. Teria de cortá-los em breve.
– Não tenho nenhuma necessidade de olhar para números, Meistre Luwin – ela respondeu, sem
nunca afastar os olhos de Bran. – Sei o que essa visita nos custou. Leve os livros daqui.
– Minha senhora, a comitiva do rei tinha apetites saudáveis. Temos de voltar a abastecer os
nossos armazéns antes que…
Ela o interrompeu.
– Eu disse para levar os livros daqui. O intendente tratará de nossas necessidades.
– Não temos intendente – lembrou-lhe Meistre Luwin. Como uma pequena ratazana cinzenta,
pensou ela, o homem não a largava. – Poole foi para o Sul a fim de organizar a casa de Lorde
Eddard em Porto Real.
Catelyn assentiu de forma ausente.
– Ah, sim. Lembro-me – Bran parecia tão pálido. Perguntou a si mesma se poderiam deslocar a
cama para junto da janela, de modo que ele recebesse o sol da manhã.
Meistre Luwin depositou a candeia num nicho perto da porta e ajustou seu pavio.
– Há várias nomeações que requerem sua atenção imediata, minha senhora. Além do intendente,
precisamos de um capitão dos guardas para o lugar de Jory, um novo mestre dos cavalos…
Os olhos dela dardejaram à sua volta e o encontraram.
– Um mestre dos cavalos? – sua voz era um chicote.
O meistre ficou abalado.
– Sim, minha senhora. Hullen foi para o Sul com Lorde Eddard, por isso…
– Meu filho jaz aqui, em pedaços e agonizando, Luwin, e quer conversar sobre um novo mestre
dos cavalos? Acha que me importa o que acontece nos estábulos? Acha que isso tem alguma
importância para mim? De bom grado mataria com as minhas próprias mãos os cavalos de
Winterfell um a um se isso fizesse com que os olhos de Bran se abrissem. Compreende isso?
Compreende?
Ele inclinou a cabeça.
– Sim, minha senhora, mas as nomeações…
– Eu farei as nomeações – disse Robb.
Catelyn não o ouvira entrar, mas ali estava ele, na soleira da porta, olhando-a. Compreendeu
com um súbito ataque de vergonha que estava gritando. O que estava acontecendo com ela? Estava
tão cansada, e sua cabeça doía constantemente.
Meistre Luwin desviou o olhar de Catelyn para o filho.
– Preparei uma lista daqueles que podemos considerar para os cargos vagos – disse, entregando
para Robb um papel retirado de dentro da manga.
O filho de Catelyn olhou os nomes. Ela percebeu que Robb viera de fora: tinha as bochechas
vermelhas do frio e os cabelos desgrenhados pelo vento.
– São bons homens – disse. – Falaremos deles amanhã – devolveu a lista de nomes.
– Muito bem, senhor – o papel desapareceu dentro da manga.
– Agora, deixe-nos – disse Robb. Meistre Luwin fez uma reverência e partiu. Robb fechou a
porta atrás de si e virou-se para a mãe. Catelyn reparou que o filho usava uma espada. – Mãe, o
que está fazendo?
Catelyn sempre achara que Robb se parecia com ela; tal como Bran, Rickon e Sansa, possuía as
cores dos Tully, os cabelos ruivos, os olhos azuis. Mas agora, pela primeira vez, via algo de
Eddard Stark em seu rosto, algo tão resistente e duro como o Norte.
– Que estou fazendo? – respondeu num eco, confusa. – Como pode me perguntar isso? O que
imagina que estou fazendo? Estou cuidando de seu irmão. Estou cuidando de Bran.
– É esse o nome que dá a isso? Não saiu deste quarto desde que Bran se machucou. Nem sequer
foi ao portão quando o pai e as meninas partiram para o Sul.
– Dei-lhes as minhas despedidas aqui e os vi partir daquela janela – ela suplicara a Ned que não
partisse, não agora, não depois do que acontecera; tudo tinha mudado, ele não compreendia isso?
Sem sucesso. Ele dissera-lhe que não tinha escolha, e então saíra, fazendo sua escolha. – Não
posso deixá-lo, nem por um momento, quando qualquer momento pode ser o último. Tenho de
estar com ele, se… se… – pegou na mão flácida do filho, deslizando seus dedos entre os dele. Ele
estava frágil e magro, não lhe restava nenhuma força na mão, mas ainda podia sentir o calor da
vida em sua pele.
A voz de Robb suavizou-se.
– Ele não vai morrer, mãe. Meistre Luwin diz que o maior perigo já passou.
– E se Meistre Luwin se enganar? E se Bran precisar de mim e eu não estiver aqui?
– Rickon precisa da senhora – disse Robb em tom penetrante. – Só tem três anos, não
compreende o que está se passando. Pensa que todos o abandonaram, e por isso me segue para
todo lado, agarrando-se à minha perna e chorando. Não sei o que fazer com ele – fez uma pequena
pausa, mordendo o lábio inferior como fazia quando era pequeno. – Mãe, eu também preciso da
senhora. Estou tentando, mas não posso… não posso fazer tudo sozinho – sua voz falhou, com
súbita emoção, e Catelyn lembrou-se de que ele tinha apenas catorze anos. Quis levantar-se e ir
falar com ele, mas Bran ainda segurava sua mão, e não podia se mover.
Fora da torre, um lobo começou a uivar. Catelyn estremeceu, só por um segundo.
– É o de Bran – Robb abriu a janela e deixou entrar o ar da noite no abafado quarto da torre. Os
uivos ficaram mais fortes. Era um som frio e solitário, cheio de melancolia e desespero.
– Não – disse ela. –Bran precisa ficar aquecido.
– Ele precisa ouvi-los cantar – disse Robb. Em outro ponto, em Winterfell, um segundo lobo
começou a uivar em coro com o primeiro. Depois um terceiro, mais perto. – Cão Felpudo e Vento
Cinzento – disse Robb enquanto as vozes dos lobos se erguiam e caíam em conjunto. – É possível
identificá-los se ouvirmos com atenção.
Catelyn tremia. Era a dor, o frio, os uivos dos lobos gigantes. Noite após noite, os uivos, o vento
frio e o vazio castelo cinzento continuavam, imutáveis, e o seu garoto jazendo ali, quebrado, o
mais doce de seus filhos, o mais gentil, o Bran que gostava de rir, de escalar, de sonhos de
cavalaria, tudo agora desaparecido, nunca mais ouviria sua risada. Soluçando, libertou sua mão da
dele e cobriu os ouvidos contra aqueles terríveis uivos.
– Faça-os parar! – gritou. – Não aguento mais, faça-os parar, faça-os parar, mate-os todos se for
preciso, mas faça-os parar!
Não se lembrava de ter caído ao chão, mas era no chão que estava, e Robb erguia-a, segurando-a
com braços fortes.
– Não tenha medo, mãe. Eles nunca lhe fariam mal – ajudou-a a caminhar até sua estreita cama
no canto do quarto de doente. – Feche os olhos – disse, em voz branda. – Descanse. Meistre Luwin
disseme que quase não tem dormido desde a queda de Bran.
– Não posso – ela chorou. – Que os deuses me perdoem, Robb, mas não posso, e se ele morrer
enquanto durmo, e se ele morrer, e se ele morrer… – os lobos ainda uivavam. Ela gritou e voltou a
tapar os ouvidos. – Ah, deuses, feche a janela!
– Se me jurar que vai dormir – Robb foi até a janela, mas ao estender as mãos para os postigos,
outro som foi acrescentado ao fúnebre uivar dos lobos gigantes. – Cães – ele disse, escutando. –
Os cães estão todos ladrando. Nunca antes tinham agido assim… – Catelyn o ouviu prender a
respiração. Quando ergueu os olhos, o rosto estava pálido à luz da candeia.
– Fogo – murmurou o jovem.
Fogo, pensou ela e, em seguida, Bran!
– Ajude-me – disse, com urgência na voz, sentando-se. – Ajude-me com Bran.
Robb não pareceu ouvi-la.
– A torre da biblioteca está em chamas – ele disse.
Catelyn podia ver agora a tremeluzente luz avermelhada pela janela aberta. Recostou-se,
aliviada. Bran estava a salvo. A biblioteca ficava para lá do muro exterior do castelo, não havia
maneira de o fogo chegar até ali.
– Graças aos deuses – sussurrou.
Robb a olhou como se tivesse enlouquecido.
– Mãe, fique aqui. Volto assim que o fogo estiver extinto – depois correu. Ela o ouviu gritar
para os guardas que estavam do lado de fora do quarto, ouviu-os descer juntos as escadas em
desenfreado ímpeto, saltando os degraus, dois ou três de cada vez.
Lá fora, ouviam-se berros de “Fogo!” no pátio, gritos, passos apressados, os relinchos de
cavalos assustados e o frenético ladrar dos cães do castelo. Enquanto escutava aquela cacofonia,
percebeu que os uivos tinham desaparecido. Os lobos gigantes tinham-se silenciado.
Catelyn rezou uma silenciosa prece de agradecimento às sete faces de deus quando se
encaminhou para a janela. Do lado de lá do muro do castelo, longas línguas de fogo jorravam das
janelas da biblioteca. Viu a fumaça erguer-se para o céu e pensou com tristeza em todos os livros
que os Stark tinham reunido ao longo dos séculos. Então fechou as janelas.
Quando virou as costas à janela, o homem estava no quarto com ela.
– Não devia ‘tar aqui – ele murmurou amargamente. – Ninguém devia ‘tar aqui.
Era um homem pequeno e sujo, vestido com imundas roupas pardas, e fedia a cavalos. Catelyn
conhecia todos os homens que trabalhavam nas cavalariças, e aquele não era nenhum deles. Era
magro, com cabelos loiros escorridos e olhos claros profundamente afundados num rosto ossudo,
e trazia na mão um punhal.
Catelyn olhou para a faca, e depois para Bran.
– Não – disse. A palavra ficou presa em sua garganta, um mero sussurro.
Ele deve tê-la ouvido.
– É uma misericórdia – disse. – Ele já tá morto.
– Não – disse Catelyn, agora mais alto depois de ter reencontrado a voz. – Não, não pode –
girou de volta à janela, a fim de gritar por ajuda, mas o homem se moveu mais depressa do que ela
teria acreditado ser possível. Uma mão fechou-se sobre sua boca e atirou-lhe a cabeça para trás, a
outra trouxe o punhal até sua traqueia. O fedor que o homem exalava era opressivo.
Ergueu ambas as mãos e agarrou a lâmina com todas as suas forças, afastando-a da garganta.
Ouviu-o praguejar ao seu ouvido. Os dedos dela estavam escorregadios de sangue, mas não
largava o punhal. A mão sobre sua boca apertou-se mais, tirando-lhe o ar. Catelyn torceu a cabeça
para o lado e conseguiu pôr um pouco da carne do homem entre os dentes. Mordeu-lhe a palma da
mão com força. O homem grunhiu de dor. Ela fez mais força e rasgou-lhe a pele, e, de repente, ele
a largou. O gosto do sangue do homem enchia-lhe a boca. Ela bebeu uma golfada de ar e soltou
um grito, e ele agarrou-lhe os cabelos e a empurrou para longe, fazendo-a tropeçar e cair. Então,
saltou sobre ela, respirando com força, tremendo. A mão direita do homem ainda agarrava com
força o punhal, escorregadio de sangue.
– Não devia ‘tar aqui – repetiu, estupidamente.
Catelyn viu a sombra deslizar pela porta aberta atrás dele. Houve um ruído surdo e baixo,
menos que um rosnado, o menor murmúrio de ameaça, mas ele deve tê-lo ouvido, porque
começou a virar-se no exato instante em que o lobo saltou. Caíram juntos, meio estatelados, sobre
Catelyn, que continuava estendida onde tombara. O lobo o tinha preso nas maxilas. O guincho do
homem durou menos de um segundo antes que o animal atirasse a cabeça para trás, arrancando-lhe
metade da garganta.
O sangue dele foi como chuva quente quando se espalhou sobre o rosto de Catelyn.
O lobo a olhava. Suas maxilas estavam vermelhas e úmidas, e os olhos brilhavam, dourados, no
quarto escuro. Catelyn percebeu que era o lobo de Bran. Claro que era.
– Obrigada – sussurrou, com a voz tênue e aguda. Ergueu a mão, estremecendo. O lobo
aproximou-se, farejou-lhe os dedos e pôs-se a lamber o sangue com uma língua úmida e áspera.
Depois de limpar todo o sangue de sua mão, ele virou-se em silêncio e saltou para a cama de Bran,
deitando-se a seu lado. Catelyn desatou a rir histericamente.
Foi assim que os encontraram, quando Robb, Meistre Luwin e Sor Rodrik entraram num
rompante no quarto, com metade dos guardas de Winterfell. Quando o riso finalmente lhe morreu
na garganta, enrolaram-na em cobertores quentes e a levaram de volta para a Grande Torre, para
seus aposentos. A Velha Ama a despiu, ajudou-a a entrar no banho quente e limpou o sangue com
um pano suave.
Mais tarde, Meistre Luwin chegou para cuidar de suas feridas. Os cortes nos dedos eram
profundos, quase chegavam ao osso, e tinha o couro cabeludo em carne viva e sangrando no lugar
onde o homem lhe arrancara um tufo de cabelo. O meistre disselhe que a dor estava agora apenas
começando, e deu-lhe leite de papoula para ajudá-la a dormir.
E ela, finalmente, fechou os olhos.
Quando voltou a abri-los, disseram-lhe que dormira durante quatro dias. Catelyn fez um aceno
com a cabeça e sentou-se na cama. Agora, tudo lhe parecia um pesadelo, tudo desde a queda de
Bran, um terrível sonho de sangue e desgosto, mas tinha a dor nas mãos para lembrá-la de que era
real. Sentia-se fraca e atordoada, mas estranhamente resoluta, como se um grande peso tivesse
sido tirado de cima de seus ombros.
– Tragam-me um pouco de pão e mel – disse às criadas – e mandem um recado a Meistre
Luwin, dizendo que minhas ataduras precisam ser trocadas – olharam-na, surpresas, e correram
para cumprir suas ordens.
Catelyn lembrava-se de como estivera antes, e sentiu-se envergonhada. Falhara para com todos,
os filhos, o marido, a Casa. Não voltaria a acontecer. Ia mostrar àqueles nortenhos como uma
Tully de Correrrio podia ser forte.
Robb chegou antes dos alimentos. Rodrik Cassel veio com ele, bem como o protegido do
marido, Theon Greyjoy, e por fim Hallis Mollen, um guarda musculoso com uma barba castanha e
quadrada. Era o novo capitão da guarda, disse Robb. Reparou que o filho vinha vestido com couro
fervido e cota de malha, e que trazia uma espada à cintura.
– Quem era ele? – perguntou-lhes Catelyn.
– Ninguém sabe seu nome – informou Hallis Mollen. – Não era homem de Winterfell, senhora,
mas há quem diga que foi visto aqui e nas imediações do castelo ao longo dessas últimas semanas.
– Então é um dos homens do rei – disse ela –, ou dos Lannister. Pode ter ficado para trás, à
espreita, quando os outros partiram.
– Pode ser – disse Hal. – Com todos aqueles estranhos a encher Winterfell nos últimos tempos,
não há maneira de dizer a quem pertencia.
– Ele esteve escondido nas cavalariças – disse Greyjoy. – Podia-se sentir o cheiro nele.
– E como pôde passar despercebido? – disse ela em tom penetrante.
Hallis Mollen pareceu atrapalhado.
– Com os cavalos que o Senhor Eddard levou para o Sul e os que enviamos para o Norte para a
Patrulha da Noite, as cavalariças ficaram meio vazias. Não seria grande truque se esconder dos
moços da cavalariça. Pode ser que Hodor o tenha visto, dizem que o rapaz anda esquisito, mas
simplório como é… – Hal abanou a cabeça.
– Encontramos o lugar onde ele dormia – interveio Robb. – Tinha noventa veados de prata num
saco de couro escondido debaixo da palha.
– É bom saber que a vida de meu filho não foi vendida barato – disse Catelyn amargamente.
Hallis Mollen a olhou, confuso.
– As minhas desculpas, senhora, mas está dizendo que o homem foi mandado para matar o seu
garoto?
Greyjoy mostrou dúvida.
– Isso é uma loucura.
– Ele veio por Bran – disse Catelyn. – Ficou o tempo todo resmungando que eu não devia estar
ali. Provocou o incêndio da biblioteca pensando que eu correria para tentar apagá-lo, levando os
guardas comigo. Se não estivesse meio louca de desgosto, teria funcionado.
– Por que haveria alguém de querer matar Bran? – Robb perguntou. – Deuses, não passa de um
garotinho, indefeso, adormecido…
Catelyn lançou ao seu primogênito um olhar de desafio.
– Se quiser governar o Norte, Robb, precisa analisar essas coisas até o fim. Responda à sua
pergunta. Por que haveria alguém de querer matar uma criança adormecida?
Antes que Robb pudesse responder, as criadas regressaram com uma bandeja de comida fresca
recém-preparada na cozinha. Havia muito mais do que ela pedira: pão quente, manteiga, mel e
conservas de amoras silvestres, uma fatia de bacon e um ovo cozido, uma porção de queijo, um
bule de chá de menta. E com os alimentos chegou Meistre Luwin.
– Como está meu filho, Meistre? – Catelyn olhou toda aquela comida e descobriu que não tinha
apetite.
Meistre Luwin baixou os olhos.
– Sem alterações, minha senhora.
Era a resposta que ela esperava, nem mais, nem menos. Suas mãos palpitaram de dor, como se a
lâmina ainda estivesse nelas, cortando-as profundamente. Mandou as criadas embora e voltou a
olhar para Robb.
– Já tem a resposta?
– Alguém tem medo de que Bran acorde – disse Robb –, medo do que ele possa dizer ou fazer,
medo de qualquer coisa que ele sabe.
Catelyn sentiu orgulho do filho.
– Muito bem – virou-se para o novo capitão da guarda. – Temos de manter Bran a salvo. Se
existiu um assassino, poderá haver outros.
– Quantos guardas serão necessários, senhora? – perguntou Hal.
– Enquanto o Senhor Eddard estiver fora, é o meu filho quem governa Winterfell – ela
respondeu.
Robb pareceu crescer um pouco.
– Ponha um homem no quarto, de noite e de dia, um junto à porta, dois ao fundo das escadas.
Ninguém pode ver Bran sem minha autorização, ou a de minha mãe.
– Certamente, senhor.
– Trate disso já – sugeriu Catelyn.
– E deixe que o lobo dele fique no quarto – acrescentou Robb.
– Sim – disse Catelyn. E depois mais uma vez: – Sim.
Hallis Mollen fez uma reverência e deixou o quarto.
– Senhora Stark – disse Sor Rodrik depois de o guarda sair –, teria a senhora, por acaso,
reparado no punhal que o assassino usou?
– As circunstâncias não me permitiram examiná-lo de perto, mas posso afirmar com certeza
que era afiado – respondeu Catelyn com um sorriso seco. – Por que pergunta?
– Encontramos a faca ainda na mão do vilão. Pareceu-me uma arma boa demais para um
homem daqueles, e olhei-a longa e atentamente. A lâmina é de aço valiriano e o punho, de osso de
dragão. Uma arma assim não tem nada a ver com um homem como ele. Alguém lhe deu.
Catelyn fez um aceno, pensativa.
– Robb, feche a porta.
Ele a olhou de um modo estranho, mas fez o que lhe foi pedido.
– O que vou dizer não deve sair deste quarto – ela avisou. – Quero que jurem. Se até mesmo
parte daquilo de que suspeito for verdade, Ned e as minhas meninas viajaram para um perigo
mortal, e uma palavra aos ouvidos errados poderá custar-lhes a vida.
– Lorde Eddard é como um segundo pai para mim – disse Theon Greyjoy. – Presto esse
juramento.
– A senhora tem o meu juramento – disse Meistre Luwin.
– E o meu também, minha senhora – ecoou Sor Rodrik.
Ela olhou para o filho.
– E você, Robb?
Ele consentiu com um aceno de cabeça.
– Minha irmã Lysa acredita que os Lannister assassinaram seu marido, Lorde Arryn, a Mão do
Rei – informou Catelyn. – Ocorre-me que Jaime Lannister não se juntou à caçada no dia em que
Bran caiu. Permaneceu aqui no castelo – o quarto estava num silêncio mortal. – Não me parece
que Bran tenha caído daquela torre – disse ela para o silêncio. – Penso que foi atirado.
O choque era claro no rosto dos quatro homens.
– Minha senhora, essa sugestão é monstruosa – disse Rodrik Cassel. – Até mesmo o Regicida
hesitaria em assassinar uma criança inocente.
– Ah, hesitaria? – perguntou Theon Greyjoy. – Tenho dúvidas.
– Não há limites para o orgulho ou a ambição dos Lannister – disse Catelyn.
– O garoto sempre teve a mão segura – Meistre Luwin disse, pensativo. – Conhece todas as
pedras de Winterfell.
– Deuses – praguejou Robb, com o jovem rosto sombrio de fúria. – Se isso for verdade, ele
pagará – puxou a espada e a brandiu no ar. – Eu mesmo o matarei!
Sor Rodrik irritou-se com ele.
– Guarde isso! Os Lannister estão a cem léguas daqui. Nunca puxe a espada, a menos que
tencione usá-la. Quantas vezes tenho de lhe dizer isso, meu tolo rapazinho?
Envergonhado, Robb embainhou a espada, subitamente transformado de novo numa criança.
Catelyn disse a Sor Rodrik: – Vejo que meu filho agora usa aço.
O velho mestre de armas respondeu:
– Achei que era tempo.
Robb a olhou ansiosamente:
– Já era mais que tempo. Winterfell pode necessitar de todas as suas espadas em breve, e é bom
que elas não sejam feitas de madeira.
Theon Greyjoy pôs a mão no punho de sua espada e disse: – Minha senhora, se chegar a tanto,
minha Casa tem uma grande dívida para com a sua.
Meistre Luwin puxou a corrente do colar onde lhe irritava a pele do pescoço.
– Tudo que temos são conjecturas. Quem queremos acusar é o querido irmão da rainha. Ela não
o aceitará de bom grado. Temos de encontrar provas, ou ficar em silêncio para sempre.
– Sua prova está no punhal – disse Sor Rodrik. – Uma bela lâmina como aquela não pode passar
despercebida.
Catelyn compreendeu que havia apenas um lugar onde a verdade podia ser encontrada.
– Alguém tem de ir a Porto Real.
– Eu vou – disse Robb.
– Não – ela disse imediatamente. – Seu lugar é aqui. Deve haver sempre um Stark em
Winterfell – olhou para Sor Rodrik com suas grandes suíças brancas, para Meistre Luwin com sua
túnica cinzenta, para o jovem Greyjoy, magro, escuro e impetuoso. Quem enviar? Em quem
acreditariam? Então soube. Catelyn esforçou-se por empurrar os cobertores, com os dedos tão
rígidos e inflexíveis como pedra, e levantou-se da cama. – Devo ir eu mesma.
– Minha senhora – disse Meistre Luwin –, sua chegada será avisada? Os Lannister certamente
encararão isso com suspeita.
– E Bran? – perguntou Robb. O pobre rapaz parecia agora completamente confundido. – Não
pode ter a intenção de abandoná-lo.
– Fiz por Bran tudo que podia – ela disse, pousando sua mão ferida sobre o braço do filho. – Sua
vida está nas mãos dos deuses e de Meistre Luwin. Como você mesmo me lembrou, Robb, tenho
outros filhos em que pensar agora.
– Minha senhora vai precisar de uma forte escolta – lembrou Theon.
– Enviarei Hal com um pelotão de guardas – disse Robb.
– Não – Catelyn respondeu. – Um grupo grande atrai atenções indesejadas. Não quero que os
Lannister saibam que estou a caminho.
Sor Rodrik protestou.
– Minha senhora, deixe-me pelo menos acompanhá-la. A estrada do rei pode ser perigosa para
uma mulher sozinha.
– Não irei pela estrada do rei – ela retrucou. Pensou por um momento e consentiu com a cabeça.
– Dois cavaleiros podem deslocar-se tão depressa como um, e bem mais depressa do que uma
longa coluna sobrecarregada com carroças e casas rolantes. Aceito sua companhia, Sor Rodrik.
Seguiremos o Faca Branca até o mar e alugaremos um navio em Porto Branco. Com cavalos fortes
e ventos vivos, deveremos chegar a Porto Real bem antes de Ned e dos Lannister – e então,
pensou, veremos o que tivermos de ver.