segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Tyrion - A Guerra dos Tronos

Em uma colina com vista sobre a Estrada do Rei, uma longa mesa tosca de pinho tinha sido montada sob um olmo e coberta com um tecido dourado. Era lá, ao lado de seu pavilhão, que Lorde Tywin fazia a refeição da noite com os mais importantes de seus cavaleiros e senhores vassalos, com a sua grande bandeira carmesim e dourada flutuando por cima, atada a uma majestosa lança. Tyrion chegou tarde, dolorido da cavalgada e amargo, consciente demais de como devia ser ridículo seu aspecto enquanto se bamboleava encosta acima para junto do pai. A marcha do dia fora longa e cansativa. Pensava que talvez fosse se embebedar bastante naquela noite. Era crepúsculo, e o ar encontrava-se vivo, cheio de vaga-lumes.
Os cozinheiros serviam o prato de carne: cinco leitões, com a pele ressequida e estalando, um
fruto diferente em cada boca. O cheiro trouxe-lhe água na boca.
– As minhas desculpas – começou, tomando seu lugar no banco ao lado do tio.
– Talvez deva encarregá-lo de enterrar os mortos, Tyrion – disse Lorde Tywin. – Caso se atrase
tanto na batalha como à mesa, a luta já terá terminado quando chegar.
– Ah, com certeza pode guardar um camponês ou dois para mim, pai – respondeu Tyrion. – Não
muitos, pois não pretendo ser ganancioso – encheu a taça de vinho e observou um criado que
trinchava o leitão. A pele quebradiça estalava sob a faca, e da carne jorrou molho quente. Era a
paisagem mais adorável que Tyrion vira em séculos.
– Os batedores de Sor Addam dizem que a tropa Stark se deslocou para o sul das Gêmeas –
anunciou o pai enquanto lhe enchiam o prato de fatias de porco. – Os recrutados de Lorde Frey
juntaram-se a eles. Não devem estar a mais de um dia de marcha a norte de nossa posição.
– Por favor, pai – disse Tyrion. – Preparo-me para comer.
– Será que a ideia de enfrentar a tropa Stark o desencoraja, Tyrion? Seu irmão Jaime estaria
ansioso para lidar com eles.
– Gostaria primeiro de lidar com aquele porco. Robb Stark não é, nem de perto, tão tenro, e
nunca cheirou tão bem.
Lorde Lefford, a ave agourenta que tinha a responsabilidade pelas provisões e pelo
abastecimento, inclinou-se para a frente.
– Espero que seus selvagens não partilhem de sua relutância, caso contrário desperdiçamos bom
aço com eles.
– Meus selvagens darão excelente uso ao seu aço, senhor – respondeu Tyrion. Quando dissera a
Lefford que precisava de armas e armaduras para equipar os trezentos homens que Ulf tinha
trazido das montanhas, parecia que lhe tinha pedido que entregasse as filhas donzelas para lhes dar
prazer.
Lorde Lefford franziu as sobrancelhas.
– Vi hoje o grande e cabeludo, aquele que insistiu em ficar com dois machados de batalha, os de
aço negro pesado com lâminas gêmeas em crescente.
– Shagga gosta de matar com ambas as mãos – disse Tyrion, enquanto um prato de fumegante
carne de porco era depositado na sua frente.
– Ele ainda tinha aquele seu machado de cortar lenha atado às costas.
– Shagga é da opinião de que três machados são ainda melhores que dois – Tyrion mergulhou os
dedos no prato do sal e salpicou sua carne com uma boa pitada.
Sor Kevan inclinou-se para a frente.
– Pensamos em colocá-lo, com seus selvagens, na vanguarda quando formos para a batalha.
Sor Kevan raramente “pensava” algo que Lorde Tywin não tivesse pensado antes. Tyrion
espetara um bocado de carne na ponta do punhal e o levara à boca. Agora o abaixava.
– Na vanguarda? – repetiu em tom incerto. Ou o senhor seu pai descobrira um novo respeito por
suas capacidades, ou decidira ver-se livre do embaraço de sua descendência de uma vez por todas.
Tyrion tinha a sombria sensação de que conhecia a verdade.
– Parecem suficientemente ferozes – disse Sor Kevan.
– Ferozes? – Tyrion percebeu que estava repetindo as palavras do tio como um pássaro treinado.
O pai observava, julgando-o, pesando cada palavra. – Deixe-me contar como eles são ferozes. Na
noite passada, um Irmão da Lua apunhalou um Corvo de Pedra por causa de uma salsicha.
Portanto, hoje, quando acampamos, três Corvos de Pedra apanharam o homem e abriram-lhe a
garganta. Talvez esperassem recuperar a salsicha, não sei. Bronn conseguiu impedir Shagga de
cortar o membro do morto, o que foi uma sorte, mas mesmo assim Ulf exige dinheiro de sangue,
que Cronn e Shagga se recusam pagar.
– Quando falta disciplina aos soldados, a falha reside em seu comandante – disse o pai de
Tyrion.
O irmão Jaime sempre fora capaz de fazer com que os homens o seguissem alegremente, e que
morressem por ele se necessário. Esse dom faltava a Tyrion. Comprava a lealdade com ouro, e
forçava a obediência com seu nome.
– Um homem maior seria capaz de lhes causar temor, é isso que está dizendo, senhor?
Lorde Tywin Lannister virou-se para o irmão.
– Se os homens de meu filho não obedecerem às suas ordens, talvez a vanguarda não seja lugar
para ele. Sem dúvida que estaria mais confortável na retaguarda, guardando a coluna com a nossa
bagagem.
– Não me faça gentilezas, pai – disse Tyrion, irritado. – Se não tem nenhum outro comando para
me oferecer, liderarei a sua primeira linha.
Lorde Tywin estudou o filho anão.
– Nada disse sobre comandos. Servirá sob as ordens de Sor Gregor.
Tyrion deu uma dentada no leitão, mastigou por um momento e depois cuspiu-o, zangado.
– Afinal, parece que não tenho fome – disse, erguendo-se desajeitadamente do banco. – Com a
sua permissão, senhores.
Lorde Tywin inclinou a cabeça, concedendo-a. Tyrion virou-se e afastou-se. Desceu a colina
bamboleando, consciente dos olhos dos homens às suas costas. Uma grande rajada de gargalhadas
ergueu-se atrás dele, mas não virou a cabeça. Que todos eles se engasgassem com seus leitões.
O crepúsculo caíra, pintando de negro todos os estandartes. O acampamento Lannister estendiase
ao longo de milhas entre o rio e a Estrada do Rei. Por entre os homens, os cavalos e as árvores,
era fácil perder-se, e foi o que aconteceu a Tyrion. Passou por uma dúzia de grandes pavilhões e
por uma centena de fogueiras para cozinhar. Vaga-lumes esvoaçavam por entre as tendas como
estrelas vagabundas. Detectou um cheiro de salsichas de alho, temperado e saboroso, tão tentador
que lhe fez rugir o estômago vazio. Ouviu, a distância, vozes que se erguiam numa canção obscena
qualquer. Uma mulher passou por ele correndo, aos risinhos, nua sob uma capa escura, com um
perseguidor bêbado que tropeçava nas raízes das árvores. Mais adiante, dois lanceiros
enfrentavam-se por sobre um fiozinho de água, treinando sua estocada-e-parada à luz que se
desvanecia, com os peitos nus lustrosos de suor.
Ninguém olhou para ele. Ninguém lhe falou. Ninguém lhe prestou a mínima atenção. Estava
cercado por homens que tinham prestado vassalagem à Casa Lannister, uma vasta tropa de vinte
mil, e no entanto estava sozinho.
Quando ouviu o profundo estrondo do riso de Shagga ressoando na escuridão, seguiu-o até os
Corvos de Pedra e o pequeno canto que ocupavam na noite. Cronn, filho de Coratt, acenou com
uma caneca de cerveja.
– Tyrion Meio-Homem! Venha, sente-se junto à minha fogueira, partilhe a carne com os Corvos
de Pedra. Temos um boi.
– Estou vendo, Cronn, filho de Coratt – a enorme carcaça vermelha estava suspensa sobre um
fogo que rugia, enfiada num espeto do tamanho de uma pequena árvore. Sem dúvida que era uma
pequena árvore. Sangue e gordura pingavam sobre as chamas enquanto dois Corvos de Pedra
viravam a carne. – Agradeço-lhe. Mande me chamar quando o boi estiver pronto – pelo aspecto,
isso talvez acontecesse ainda antes da batalha. Continuou a andar.
Cada clã tinha sua própria fogueira; os Orelhas Negras não comiam com os Corvos de Pedra, os
Corvos de Pedra não comiam com os Irmãos da Lua, e ninguém comia com os Homens
Queimados. A modesta tenda que tinha arrancado dos armazéns de Lorde Lefford depois de
algumas bajulações fora erigida no centro das quatro fogueiras. Tyrion encontrou Bronn
partilhando um odre de vinho com os novos criados. Lorde Tywin enviara-lhe um cavalariço e um
criado pessoal para atender às suas necessidades, e até insistira para que aceitasse um escudeiro.
Estavam sentados em torno das brasas de uma pequena fogueira. Tinham uma jovem com eles;
magra, de cabelos escuros, aparentemente com não mais de dezoito anos. Tyrion estudou-lhe o
rosto por um momento, antes de ver espinhas de peixe entre as cinzas.
– O que comeram?
– Trutas, senhor – disse o cavalariço. – Bronn as apanhou.
Truta, pensou. Leitão. Maldito seja o meu pai. Olhou com ar fúnebre para as espinhas, com a
barriga rugindo.
O escudeiro, um garoto com o infeliz nome de Podrick Payne, engoliu o que quer que se
preparava para dizer. Era um primo distante de Sor Ilyn Payne, o carrasco do rei… e quase tão
silencioso quanto ele, embora não por falta de uma língua. Tyrion obrigara-o a colocá-la para fora
uma vez, só para ter certeza. “É definitivamente uma língua”, dissera. “Algum dia vai ter de
aprender a usá-la.”
No momento não tinha paciência para tentar arrancar um pensamento do garoto, que suspeitava
que lhe tinha sido imposto como uma brincadeira cruel. Tyrion voltou sua atenção à moça.
– É ela? – perguntou a Bronn.
Ela se ergueu num movimento gracioso e olhou para ele, da majestosa altura de um metro e
meio ou mais.
– É, senhor, e ela pode falar por si mesma, se assim quiser.
Tyrion inclinou a cabeça para um lado.
– Sou Tyrion, da Casa Lannister. Os homens chamam-me Duende.
– Minha mãe chamou-me Shae. Os homens chamam-me… com frequência.
Bronn deu risada, e Tyrion teve de sorrir.
– Para a tenda, Shae, por favor – levantou a aba e a manteve erguida para ela passar. Lá dentro,
ajoelhou-se para acender uma vela.
A vida de soldado não era desprovida de certas compensações. Onde quer que se erguesse um
acampamento, era certo aparecerem seguidores. Ao fim da marcha do dia, Tyrion enviara Bronn
de volta, a fim de lhe arranjar uma prostituta apropriada. “Preferia uma razoavelmente jovem, tão
bonita quanto consiga encontrar”, dissera. “Se se lavou em algum momento deste ano, ficarei
contente. Se não, lave-a. Assegure-se de lhe dizer quem sou e a previna do que sou.” Jyck nem
sempre se incomodara em fazer aquilo. Havia um olhar que as moças por vezes davam quando
vislumbravam pela primeira vez o fidalgo a quem tinham sido contratadas para satisfazer… um
olhar que Tyrion Lannister não queria ver nunca mais.
Ergueu a vela e a observou. Bronn fizera um trabalho bastante bom; a jovem tinha olhos de
corça e era magra, com pequenos seios firmes e um sorriso que alternava entre tímido, insolente e
malvado. Gostava daquilo.
– Devo tirar o vestido, senhor? – ela perguntou.
– A seu tempo. É donzela, Shae?
– Se isso lhe agradar, senhor – disse ela com um ar recatado.
– O que me agradaria seria obter de você a verdade, garota.
– Está bem, mas isso custará o dobro.
Tyrion decidiu que iam se dar otimamente bem.
– Sou um Lannister. Tenho ouro com fartura, e pode descobrir que sou generoso… mas quero
mais de você do que aquilo que tem entre as pernas, embora também queira isso. Partilhará a
minha tenda, encherá meu copo de vinho, rirá dos meus gracejos, massageará as minhas pernas
doloridas depois de cada dia de marcha… e quer se mantenha comigo durante um dia ou um ano,
enquanto estivermos juntos, não levará nenhum outro homem para a sua cama.
– É justo – ela estendeu a mão até a bainha do vestido de ráfia e tirou-o pela cabeça, num
movimento suave, atirando-o para o lado. Por baixo, nada havia a não ser Shae. – Se não apoiar
essa vela, meu senhor vai queimar os dedos.
Tyrion apoiou a vela, tomou-lhe a mão nas suas e puxou-a gentilmente para si. Ela se dobrou
para beijá-lo. Sua boca recendia a mel e a cravo-da-índia, e os dedos mostraram-se hábeis e cheios
de prática ao encontrar os fechos de suas roupas.
Quando a penetrou, ela o recebeu com sussurros afetuosos e pequenos e trêmulos arquejos de
prazer. Tyrion suspeitava que aquele deleite era fingido, mas ela o fazia tão bem que não
importava. Não desejava tanta verdade assim.
Mais tarde, deitado em silêncio com a mulher nos braços, Tyrion percebeu que precisava dela.
Dela ou de alguém como ela. Já se passara quase um ano desde que dormira com uma mulher,
desde antes de sua partida para Winterfell com o irmão e o Rei Robert. Podia bem morrer no dia
seguinte ou no outro, e se isso acontecesse, preferia partir para a cova pensando em Shae do que
no senhor seu pai, em Lysa Arryn ou na Senhora Catelyn Stark.
Sentia a suavidade dos seios dela comprimidos contra seu braço. Era uma sensação boa. Uma
canção encheu-lhe a cabeça. Suavemente, baixinho, pôs-se a assobiar.
– Que é isso, senhor? – murmurou Shae contra seu corpo.
– Nada – respondeu. – Uma canção que aprendi quando era rapaz, nada demais. Durma, querida.
Quando os olhos dela se fecharam e sua respiração se tornou profunda e regular, Tyrion
deslizou por debaixo dela, gentilmente, com cuidado para não lhe perturbar o sono. Nu, rastejou
para fora, passou por cima do escudeiro e deu a volta ao redor da tenda a fim de urinar.
Bronn estava sentado de pernas cruzadas por baixo de um castanheiro, perto do lugar onde
tinham os cavalos presos. Amolava o gume da espada, bem acordado; o mercenário não parecia
dormir como os outros homens.
– Onde a encontrou? – perguntou-lhe Tyrion enquanto urinava.
– Tirei-a de um cavaleiro. O homem estava relutante em desistir dela, mas o seu nome mudou
um pouco a maneira dele de pensar… isso e o meu punhal em sua garganta.
– Magnífico – disse secamente Tyrion, sacudindo as últimas gotas. – Acho que me lembro de
ter dito encontre-me uma prostituta, e não me faça um inimigo.
– As bonitas estavam todas tomadas – disse Bronn. – De bom grado a levarei de volta, se
preferir uma porca desdentada.
Tyrion coxeou até perto do mercenário.
– O senhor meu pai chamaria a isso insolência, e o mandaria para as minas por impertinência.
– Ainda bem para mim que não é o seu pai – respondeu Bronn. – Vi uma com o nariz cheio de
furúnculos. Quer essa?
– O quê? E quebrar seu coração? – atirou Tyrion de volta. – Vou ficar com Shae. Por acaso
reparou no nome desse cavaleiro de quem a roubou? Preferia não tê-lo a meu lado na batalha.
Bronn ergueu-se, rápido e gracioso como um gato, fazendo a espada girar na mão.
– Terá a mim a seu lado na batalha, anão.
Tyrion fez um aceno. Sentia o ar da noite tépido na pele nua.
– Certifique-se de que eu sobreviva a essa batalha, e poderá escolher a recompensa que desejar.
Bronn atirou a espada da mão direita para a esquerda e experimentou um golpe.
– Quem iria querer matar alguém como você?
– O senhor meu pai, para começar. Pôs-me na vanguarda.
– Eu faria o mesmo. Um homem pequeno com um grande escudo. Vai causar ataques de fúria
nos arqueiros.
– Acho-o estranhamente alegre – disse Tyrion. – Devo estar louco.
Bronn embainhou a espada.
– Sem dúvida.
Quando Tyrion regressou à tenda, Shae rolou sobre o cotovelo e murmurou em voz sonolenta: –
Acordei e o senhor não estava aqui.
– O senhor agora está aqui – deitou-se ao seu lado.
A mão dela enfiou-se entre as suas pernas atrofiadas e o encontrou duro.
– Ah, aí está – sussurrou, afagando-o.
Tyrion perguntou-lhe pelo homem de quem Bronn a tirara, e ela disse o nome de um servidor de
um fidalgo insignificante.
– Não é preciso temer homens como ele, senhor – disse Shae, com os dedos atarefados em seu
membro. – É um homem pequeno.
– Então, e eu, o que sou? – perguntou-lhe Tyrion. – Um gigante?
– Ah, sim – ronronou ela –, o meu gigante Lannister – então o montou e durante algum tempo
quase conseguiu fazer com que ele acreditasse. Tyrion adormeceu sorrindo…
… e acordou na escuridão com o toque das trombetas. Shae sacudia-lhe o ombro.
– Senhor – sussurrou. – Acorde, senhor. Estou assustada.
Grogue, sentou-se e atirou o cobertor para o lado. As trombetas chamavam na noite,
tempestuosas e urgentes, um grito que dizia rápido, rápido, rápido. Ouviu gritos, o tinir de lanças,
o relinchar de cavalos, embora ainda nada que parecesse luta.
– As trombetas do senhor meu pai – disse. – Toque de batalha. Pensava que o Stark ainda
estivesse a um dia de marcha.
Shae balançou a cabeça, sem compreender. Seus olhos estavam bem abertos e brancos.
Gemendo, Tyrion pôs-se em pé e abriu caminho para fora da tenda, gritando pelo escudeiro.
Farrapos de pálido nevoeiro moviam-se à deriva pela noite, longos dedos brancos que saíam do
rio. Homens e cavalos atravessavam aos tropeções o frio da madrugada; selas eram apertadas,
carroças eram carregadas, fogueiras eram extintas. As trombetas tocaram de novo: rápido, rápido,
rápido. Cavaleiros saltavam para cima de corcéis que resfolegavam, e homens de armas
afivelavam o cinto de suas espadas enquanto corriam. Quando encontrou Pod, o garoto ressonava
suavemente. Tyrion deu-lhe um bom pontapé nas costelas.
– A minha armadura – disse –, e mexa-se depressa – Bronn saiu da névoa a trote, já armado e
montado, com o seu meio elmo amassado na cabeça. – Sabe o que aconteceu? – perguntou-lhe
Tyrion.
– O rapaz Stark roubou-nos uma marcha – disse Bronn. – Esgueirou-se ao longo da Estrada do
Rei durante a noite, e agora sua tropa está a menos de uma milha a norte daqui, em formação de
batalha.
Rápido, gritaram as trombetas, rápido, rápido, rápido.
– Certifique-se de que os homens dos clãs estão prontos para partir – Tyrion voltou a enfiar-se
na tenda. – Onde está minha roupa? – ladrou para Shae. – Ali. Não, o couro, raios partam. Sim.
Traga-me as botas.
Quando acabou de se vestir, o escudeiro tinha lhe preparado a armadura, ou o que passava por
tal coisa. Tyrion era dono de uma boa armadura de placa pesada, habilmente manufaturada para se
ajustar ao seu corpo deformado. Infelizmente, estava em segurança em Rochedo Casterly, mas ele
não. Tinha de se arranjar com peças avulsas encontradas nas carroças de Lorde Lefford: camisa e
touca de cota de malha, o gorjal de um cavaleiro morto, grevas e manoplas articuladas e botas
pontiagudas de aço. Algumas das peças eram ornamentadas, outras eram simples; nada condizia
ou se ajustava como devia. A placa de peito destinava-se a um homem mais alto; para a sua
cabeça grande demais tinham encontrado um enorme elmo em forma de balde, culminado por uma
haste triangular com trinta centímetros de comprimento.
Shae ajudou Pod a lidar com as fivelas e as braçadeiras.
– Se eu morrer, chore por mim – disse Tyrion à prostituta.
– Como ia saber? Estaria morto.
– Eu saberia.
– Acredito que sim – Shae baixou o elmo sobre sua cabeça, e Pod ajustou o gorjal. Tyrion
afivelou o cinto, pesado sob o peso da espada curta e do punhal. Quando terminou, o cavalariço já
lhe trouxera a montaria, um formidável corcel negro com uma armadura tão pesada quanto a sua.
Precisou de ajuda para montar; sentia-se como se pesasse uma tonelada. Pod entregou-lhe o
escudo, uma maciça prancha de pesado pau-ferro com tiras de aço, e, por fim, o machado de
batalha. Shae deu um passo para trás e o admirou.
– O senhor parece temível.
– O senhor parece um anão numa armadura desemparelhada – Tyrion respondeu amargamente
–, mas agradeço-lhe a bondade. Podrick, se a batalha nos correr mal, leve a senhora em segurança
para casa – saudou-a com o machado, fez o cavalo dar meia-volta e afastou-se a trote. Tinha o
estômago transformado num duro nó, tão apertado que doía. Atrás dele, os criados começaram a
desmontar a tenda às pressas. Pálidos dedos carmesins espalharam-se pelo leste quando os
primeiros raios de sol surgiram no horizonte. O céu ocidental tinha um profundo tom púrpura,
salpicado de estrelas. Tyrion perguntou a si mesmo se aquele seria o último nascer do sol que
veria… e se essa dúvida era sinal de covardia. Seu irmão Jaime alguma vez contemplara a morte
antes de uma batalha?
Uma trompa de guerra soou a distância, uma profunda nota fúnebre que gelava a alma. Os
homens dos clãs subiram em seus ossudos cavalos de montanha, berrando pragas e piadas
grosseiras. Vários pareciam estar bêbados. Quando Tyrion deu sinal de partida, o sol nascente
queimava os últimos elos de nevoeiro. O campo que os cavalos tinham deixado estava carregado
de orvalho, como se algum deus de passagem tivesse espalhado um saco de diamantes pela terra.
Os homens das montanhas alinharam-se atrás dele, com cada clã enfileirado atrás de seu líder.
À luz da alvorada, o exército de Lorde Tywin Lannister desdobrou-se como uma rosa de ferro,
com os espinhos a raiar.
O tio de Tyrion liderava o centro. Sor Kevan erguera seus estandartes acima da Estrada do Rei.
Com aljavas pendendo dos cintos, os arqueiros apeados dispuseram-se em três longas linhas, para
leste e para oeste da estrada, e ali estavam calmamente encordoando os arcos. Entre eles, lanceiros
formavam quadrados; atrás estava fileira após fileira de homens de armas com lanças, espadas e
machados. Trezentos cavalos pesados rodeavam Sor Kevan e os senhores vassalos Lefford,
Lydden e Serrett, com todos os seus subordinados.
A ala direita era toda de cavalaria, cerca de quatro mil homens, carregados com o peso de suas
armaduras. Estavam ali mais de três quartos dos cavaleiros, agrupados como um grande punho
revestido de aço. Sor Addam Marbrand tinha o comando. Tyrion viu seu estandarte desenrolar-se
quando seu porta-estandartes o sacudiu: uma árvore ardendo, laranja e esfumaçada. Atrás dele
esvoaçava o unicórnio púrpura de Sor Flement, o javali malhado de Crakehall, o galo anão dos
Swyft e outros.
O senhor seu pai tomou posição na colina onde dormira. À sua volta reunia-se a reserva; uma
força enorme, metade montada, metade a pé, de cinco mil homens. Lorde Tywin escolhia quase
sempre comandar a reserva; ocupava o terreno elevado e observava o desenrolar da batalha a seus
pés, enviando suas forças quando e para onde eram mais necessárias.
Mesmo visto de longe, o senhor seu pai era resplandecente. A armadura de batalha de Tywin
Lannister envergonhava a armadura dourada do filho Jaime. Sua grande capa tinha sido tecida de
incontáveis camadas de pano de ouro, e era tão pesada que quase não se agitava, mesmo quando
ele avançava, e tão grande que as pregas cobriam a maior parte do traseiro do garanhão quando se
sentava sobre a sela. Nenhuma braçadeira comum seria suficiente para tanto peso, e a capa era
mantida no lugar por um par idêntico de leoas em miniatura, acocoradas sobre os ombros, como
que em posição de ataque. O companheiro das leoas, um macho com uma magnífica juba,
reclinava-se no topo do elmo de Lorde Tywin, com a pata varrendo o ar enquanto rugia. Os três
leões eram trabalhados em ouro, com olhos de rubi. A armadura era de pesada placa de aço,
esmaltada de carmim-escuro; as grevas e as manoplas tinham decorativos arabescos dourados
embutidos. As ombreiras eram sóis raiados dourados, todas as suas presilhas eram douradas, e o
aço vermelho tinha sido polido a tal ponto que brilhava como fogo à luz do sol nascente.
Tyrion conseguia agora ouvir o rufar dos tambores do inimigo. Recordou-se de Robb Stark
como o vira pela última vez, sentado no cadeirão do pai no Grande Salão de Winterfell, com uma
espada nua brilhando nas mãos. Recordou-se de como os lobos selvagens tinham saltado sobre ele
vindos das sombras, e de repente voltou a vê-los, rosnando e abocanhando, com os dentes
descobertos na frente de seu rosto. Traria o rapaz os lobos consigo para a guerra? A ideia o deixou
perturbado.
Os nortenhos deviam estar exaustos depois de sua longa marcha insone. Tyrion perguntou-se o
que o rapaz pensara. Teria esperado apanhá-los de surpresa durante o sono? Havia poucas chances
de isso acontecer; não importa o que se dissesse dele, Tywin Lannister não era nenhum tolo.
A vanguarda reunia-se à esquerda. Viu primeiro a bandeira, três cães negros sobre fundo
amarelo. Sor Gregor encontrava-se por baixo, montado no maior cavalo que Tyrion jamais vira.
Bronn deu-lhe uma olhadela e sorriu.
– Siga sempre um homem grande para a batalha.
Tyrion respondeu com um olhar duro.
– E por quê?
– Fazem uns alvos magníficos. Aquele vai atrair os olhares de todos os arqueiros presentes no
campo.
Rindo, Tyrion olhou a Montanha com novos olhos.
– Confesso que não o tinha visto sob essa luz.
Clegane não possuía esplendor nenhum; sua armadura era de placa de aço de um cinza baço,
marcada pelo uso duro, e não exibia nem símbolos nem ornamentos. Indicava aos homens as suas
posições com a arma, uma espada longa de duas mãos que Sor Gregor brandia como um homem
menor poderia brandir um punhal.
– Eu mesmo matarei qualquer homem que fuja – ele estava rugindo quando viu Tyrion. –
Duende! Para a esquerda. Mantenha o rio. Se for capaz.
A esquerda da esquerda. Para flanqueá-los, os Stark precisariam de cavalos capazes de correr
sobre a água. Tyrion levou seus homens para a margem do rio.
– Olhem – gritou, apontando com o machado. – O rio – uma camada de névoa pálida ainda
aderia à superfície da água, com a corrente verde-escura rodopiando por baixo. Os baixios eram
lamacentos e afogados em juncos. – Aquele rio é nosso. Aconteça o que acontecer, mantenham-se
perto da água. Não a percam nunca de vista. Impeçam o inimigo de se interpor entre nós e o nosso
rio. Se eles conspurcarem nossas águas, arranquem seus membros e alimentem os peixes com
eles.
Shagga tinha um machado em cada mão. Bateu um de encontro ao outro, fazendo-os ressoar.
– Meio-Homem! – gritou. Outros Corvos de Pedra acompanharam o grito, e os Orelhas Negras e
Irmãos da Lua também. Os Homens Queimados não gritaram, mas fizeram chocalhar as espadas e
as lanças. – Meio-Homem! Meio-Homem! Meio-Homem!
Tyrion fez o corcel descrever um círculo para observar o terreno. Ali, era ondulado e irregular;
mole e lamacento perto do rio, subindo em ligeiro declive até a Estrada do Rei, pedregoso e
quebrado do outro lado, a leste. Algumas árvores manchavam as vertentes das colinas, mas a
maior parte da terra fora limpa e plantada. Seu coração batia no peito em uníssono com os
tambores, e sentia a testa fria de suor sob as camadas de couro e aço. Observou Sor Gregor
enquanto a Montanha cavalgava para cima e para baixo ao longo das fileiras, gritando e
gesticulando. Também essa ala era toda de cavalaria, mas se a direita era um punho revestido de
malha, de cavaleiros e lanceiros pesados, a vanguarda era composta pelo lixo do Ocidente:
arqueiros montados com coletes de couro, um enxame indisciplinado de cavaleiros livres e
mercenários, trabalhadores rurais montados em cavalos de arar e armados com foices e espadas
enferrujadas dos pais, rapazes meio treinados vindos dos prostíbulos de Lannisporto… e Tyrion e
seus homens dos clãs a cavalo.
– Comida para corvos – murmurou Bronn a seu lado, dando voz ao que Tyrion deixara por
dizer. Só pôde concordar com um aceno. Teria o senhor seu pai perdido o juízo? Nenhum lanceiro,
arqueiros insuficientes, não mais que um punhado de cavaleiros, os mal armados e os sem
armadura, comandados por um bruto sem cabeça que liderava com base na raiva… Como podia o
pai esperar que aquela imitação grotesca de uma companhia segurasse o flanco esquerdo?
Não teve tempo para pensar no assunto. Os tambores estavam tão próximos que a batida se
infiltrava sob sua pele e deixava suas mãos em convulsões. Bronn desembainhou a espada, e de
repente o inimigo surgiu à frente deles, transbordando sobre o cume das colinas, avançando a
passo medido por trás de um muro de escudos e lanças.
Malditos sejam os deuses, olhe para todos eles, pensou Tyrion, embora soubesse que o pai tinha
mais homens no terreno. Seus capitães lideravam-nos montados em cavalos de batalha revestidos
de armadura, com os porta-estandartes transportando as bandeiras a seu lado. Vislumbrou o alce
macho dos Hornwood, o sol raiado dos Karstark, o machado de batalha de Lorde Cerwyn e o
punho revestido de malha dos Glover… e as torres gêmeas de Frey, azuis em fundo cinza. Lá se ia
a certeza do pai de que Lorde Walder nada faria. Podia ver-se o branco da Casa Stark por todo
lado, com os lobos gigantes cinzentos parecendo correr e saltar à medida que os estandartes se
reviravam e se agitavam no topo dos grandes mastros. Onde está o rapaz?, interrogou-se Tyrion.
Uma trompa de guerra soou. Haruuuuuuuuuuuuu, gritou, com uma voz tão longa, grave e
arrepiante como um vento frio vindo do norte. As trombetas dos Lannister responderam-lhe, daDA
daDA da—DAAAAAAA, um som de bronze e desafio, mas a Tyrion pareceu que de algum modo soavam
menores, mais ansiosas. Sentia uma agitação nas entranhas, uma sensação de náusea líquida;
esperava que não fosse morrer enjoado.
Quando as trombetas se calaram, um silvo encheu o ar; uma vasta nuvem de flecha subiu em
arco, à direita de Tyrion, de onde os arqueiros flanqueavam a estrada. Os nortenhos desataram a
correr, gritando enquanto se aproximavam, mas as flechas dos Lannister caíram sobre eles como
chuva, centenas de flechas, milhares, e os gritos de guerra iam se transformando em gritos de dor
à medida que os homens tropeçavam e caíam. Então já uma segunda nuvem estava no ar, e os
arqueiros colocavam uma terceira flecha na corda de seus arcos.
As trombetas gritaram de novo, da—DAAA da—DAAA daDA daDA da—DAAAAAAAA. Sor Gregor brandiu sua
enorme espada e berrou uma ordem, e um milhar de outras vozes respondeu aos gritos. Tyrion
esporeou o cavalo, acrescentou mais uma voz à cacofonia, e a vanguarda avançou.
– O rio! – gritou a seus homens enquanto avançavam. – Lembrem-se, exterminem tudo até o rio
– continuou a liderar quando passaram a galope leve, até que Chella deu um grito de congelar o
sangue e o ultrapassou, e Shagga uivou e a seguiu. Os homens dos clãs avançaram atrás deles,
deixando Tyrion no meio da poeira que levantaram.
Em frente, tinha se formado um crescente de lanceiros inimigos, um duplo ouriço de aço, à
espera, atrás de escudos altos de carvalho marcados com o sol raiado de Karstark. Gregor Clegane
foi o primeiro a atingi-los, liderando uma cunha de veteranos revestidos de armadura. Metade dos
cavalos recuou no último momento, quebrando o avanço em frente da fila de lanças. Os outros
morreram, com afiadas pontas de aço rasgando-lhes o peito. Tyrion viu uma dúzia de homens cair.
O garanhão da Montanha empinou-se, escoiceando com cascos calçados de aço quando uma ponta
de lança farpada lhe varreu o pescoço. Enlouquecido, o animal lançou-se a galope sobre as fileiras
inimigas. Lanças o atingiram vindas de todas as direções, mas a muralha de escudos quebrou-se
sob o seu peso. Os nortenhos fugiram dos estertores de morte do animal aos tropeções. Enquanto o
cavalo caía, resfolegando sangue e mordendo com o seu último fôlego vermelho, a Montanha
ergueu-se incólume, varrendo as redondezas com sua grande espada de duas mãos.
Shagga arremeteu pela abertura antes que os escudos conseguissem fechá-la, com os outros
Corvos de Pedra logo atrás. Tyrion gritou: – Homens Queimados! Irmãos da Lua! Atrás de mim! –
mas a maior parte deles estava à sua frente. Viu de relance Timett, filho de Timett, saltar quando a
sua montaria morreu em pleno galope entre suas pernas; viu um Irmão da Lua empalado por uma
lança Karstark; observou o cavalo de Cronn estilhaçando as costelas de um homem com um coice.
Uma nuvem de flechas caiu sobre eles; não saberia dizer de onde vinham, mas caíram tanto sobre
homens dos Stark como dos Lannister, matraqueando nas armaduras ou encontrando carne. Tyrion
ergueu o escudo e escondeu-se sob ele.
O ouriço estava ruindo, e os nortenhos recuavam sob o impacto do assalto a cavalo. Tyrion viu
Shagga apanhar um lanceiro em cheio no peito quando o louco correu sobre ele; viu o machado
cortar cota de malha, couro, músculo e pulmões. O homem morreu em pé, com a cabeça do
machado alojada no peito, mas Shagga continuou a avançar, abrindo um escudo em dois com o
machado de batalha da mão esquerda, enquanto o cadáver balançava e tropeçava molemente do
seu lado direito. Por fim, o morto deslizou e caiu. Shagga fez ressoar os dois machados um contra
o outro e rugiu.
Então, o inimigo já havia caído sobre ele, e a batalha de Tyrion minguou para os poucos
centímetros de terreno que rodeavam seu cavalo. Um homem de armas lançou-lhe uma estocada
no peito, e seu machado saltou, afastando a lança. O homem recuou dançando, para outra
tentativa, mas Tyrion esporeou o cavalo, fazendo-o passar por cima dele. Bronn estava rodeado
por três inimigos, mas cortou a cabeça da primeira lança que veio contra ele e, no contragolpe,
varreu a cara de um segundo homem com sua lâmina.
Uma lança de arremesso precipitou-se sobre Tyrion, vinda da esquerda, e alojou-se em seu
escudo com um tunc na madeira. Virou-se e lançou-se em perseguição do atirador, mas o homem
ergueu o escudo sobre a cabeça. Tyrion fez chover golpes de machado sobre a madeira, movendose
em círculos em redor do homem. Lascas de carvalho saltaram e partiram voando, até que o
nortenho perdeu o equilíbrio e escorregou, caindo de costas sob o escudo. Encontrava-se abaixo do
alcance do machado de Tyrion, e desmontar era incômodo demais, de modo que o deixou ali e foi
atrás de outro homem, apanhando-o pelas costas com um golpe em arco de cima para baixo que
lhe sacudiu o braço com o impacto. Conseguiu com isso um momento de pausa. Puxando as
rédeas, procurou o rio. E ali estava ele, à direita. Sem saber por que, virara-se para trás.
Um Homem Queimado passou por ele, caído sobre o cavalo. Uma lança penetrara-lhe a barriga
e saía pelas costas. Estava além de qualquer ajuda, mas quando Tyrion viu um dos nortenhos
correndo e tentando agarrar-lhe as rédeas, avançou.
Sua presa enfrentou-o de espada na mão. Era alto e seco, com uma longa camisa de cota de
malha e manoplas articuladas de aço, mas perdera o elmo e sangue escorria sobre seus olhos,
vindo de uma ferida na testa. Tyrion lançou-lhe um golpe no rosto, mas o homem alto o afastou.
– Anão – gritou. – Morra – virou-se em círculo, enquanto Tyrion o rodeava montado no cavalo,
lançando-lhe golpes na cabeça e nos ombros. Aço ressoava contra aço, e Tyrion logo percebeu que
o homem alto era mais rápido e mais forte do que ele. Onde, nos sete infernos, estava Bronn? –
Morra – grunhiu o homem novamente, atacando-o furiosamente. Tyrion quase não conseguiu
erguer o escudo a tempo, e a madeira pareceu explodir para dentro com a força do golpe. Os
estilhaços do escudo caíram-lhe do braço. – Morra! – berrou o espadachim, avançando e dando
uma pancada tão forte nas têmporas de Tyrion que lhe deixou a cabeça ressoando. A lâmina fez
um hediondo som de arranhar quando o homem a puxou. O homem alto sorriu… até ser mordido
pelo corcel de batalha de Tyrion, rápido como uma serpente, que lhe abriu a bochecha até o osso.
Então gritou. Tyrion enterrou-lhe o machado na cabeça.
– Morra você – disselhe, e foi o que ele fez.
Ao libertar a lâmina, ouviu um grito.
– Eddard! – ressoou uma voz. – Por Eddard e Winterfell! – o cavaleiro caiu sobre ele como um
trovão, fazendo rodopiar por cima da cabeça a bola eriçada de hastes de uma maça de armas. Os
cavalos de batalha se chocaram antes que Tyrion conseguisse sequer abrir a boca para gritar por
Bronn. O cotovelo direito explodiu de dor quando as hastes penetraram através do metal fino que
protegia a articulação. O machado foi perdido naquele instante. Estendeu a mão para a espada,
mas a maça fazia de novo um arco, dirigido ao seu rosto. Não se deu conta de ter atingido o chão,
mas quando olhou para cima viu apenas céu. Rolou sobre o flanco e tentou se erguer, mas o corpo
estremeceu-lhe de dor e o mundo começou a latejar. O cavaleiro que o derrubara aproximou-se. –
Tyrion, o Duende – trovejou. – É meu. Rendese, Lannister?
Sim, pensou Tyrion, mas a palavra ficou presa na garganta. Fez um som semelhante a um coaxar
e pôs-se de joelhos com dificuldade, procurando desajeitadamente uma arma. A espada, o punhal,
qualquer coisa…
– Rendese? – o cavaleiro pairava sobre ele em seu cavalo de guerra recoberto de armadura.
Ambos, homem e cavalo, pareciam imensos. A bola de hastes rodopiava num círculo lento. As
mãos de Tyrion estavam dormentes, a visão, desfocada, a bainha da espada vazia. – Renda-se ou
morrerá – declarou o cavaleiro, fazendo rodopiar o malho cada vez mais depressa.
Tyrion conseguiu se levantar, atirando a cabeça contra a barriga do cavalo. O animal soltou um
grito terrível e empinou-se. Tentou libertar-se da agonia da dor, retorcendo-se, choveram sangue e
vísceras sobre o rosto de Tyrion e o cavalo caiu como uma avalanche. Quando deu por si, tinha o
visor tapado com lama e algo lhe esmagava o pé. Conseguiu libertar-se, com a garganta tão
apertada que quase não conseguia falar.
– … rend… – coaxou por fim, num fio de voz.
– Sim – gemeu uma voz, espessa de dor.
Tyrion raspou a lama do visor para conseguir ver. O cavalo tombara para o outro lado, para
cima do cavaleiro. Este tinha a perna presa e o braço que usara para amparar a queda torcido num
ângulo grotesco.
– Rendo-me – repetiu. Apalpando o cinto com a mão capaz, sacou uma espada e lançou-a aos
pés de Tyrion. – Rendo-me, senhor.
Aturdido, o anão ajoelhou-se e ergueu a arma. A dor atacou-lhe o cotovelo quando moveu o
braço. A batalha parecia ter se deslocado para a frente. Ninguém permanecia naquela parte do
terreno, salvo um grande número de cadáveres. Os corvos já voavam em círculos e aterrissavam
para se alimentar. Viu que Sor Kevan trouxera seu centro em auxílio da vanguarda; sua enorme
massa de lanceiros tinha empurrado os nortenhos contra os montes. Lutava-se nas encostas, com
lanças atacando outra muralha de escudos, agora ovais e reforçados com rebites de ferro.
Enquanto observava, o ar voltou a encher-se de flechas, e os homens atrás da muralha de carvalho
ruíram sob aquele fogo assassino.
– Creio que está perdendo, senhor – disse ao cavaleiro sob o cavalo. O homem não lhe deu
resposta.
O som de cascos vindo às suas costas o fez rodopiar, embora quase não conseguisse levantar a
espada devido à tremenda dor que sentia no cotovelo. Bronn puxou as rédeas e o olhou.
– Acabou por ser de pouco uso – disselhe Tyrion.
– Parece que se desembaraçou suficientemente bem sozinho – respondeu Bronn. – Mas perdeu a
haste do elmo.
Tyrion apalpou o topo do elmo. A haste tinha sido completamente arrancada.
– Não a perdi. Sei perfeitamente onde ela está. Onde está meu cavalo?
Quando encontraram o animal, as trombetas tinham voltado a soar, e a reserva de Lorde Tywin
desceu numa larga curva ao longo do rio. Tyrion observou o pai, que passou por ele a grande
velocidade, com o estandarte carmesim e dourado dos Lannister ondulando sobre sua cabeça
enquanto trovejava pelo campo afora. Rodeavam-no quinhentos cavaleiros, com a luz do sol
arrancando relâmpagos da ponta de suas lanças. Os restos das linhas dos Stark estilhaçaram-se
como vidro sob o poder daquele ataque.
Com o cotovelo inchado e latejando dentro da armadura, Tyrion não fez nenhuma tentativa de
se juntar ao massacre. Ele e Bronn partiram em busca de seus homens. Encontrou muitos entre os
mortos. Ulf, filho de Umar, jazia num charco de sangue que coagulava, com o braço desaparecido
até o cotovelo, e uma dúzia de seus Irmãos da Lua espalhados ao redor. Shagga estava estatelado
embaixo de uma árvore, cravejado de flechas, abraçado à cabeça de Cronn. Tyrion pensou que
estivessem ambos mortos, mas, quando desmontou, Shagga abriu os olhos e disse: – Mataram
Cronn, filho de Coratt – o belo Cronn não ostentava nenhuma marca além da mancha vermelha
que tinha no peito, onde a lança o matara. Quando Bronn puxou Shagga e o pôs de pé, o grande
homem pareceu reparar nas flechas pela primeira vez. Arrancou-as uma a uma, amaldiçoando os
buracos que tinham feito em suas camadas de cota de malha e couro e berrando como um bebê
com as poucas que haviam se enterrado na carne. Chella, filha de Cheyk, aproximou-se enquanto
arrancavam as flechas de Shagga e mostrou-lhes quatro orelhas que conseguira. Descobriram
Timett saqueando os cadáveres com seus Homens Queimados. Dos trezentos homens dos clãs que
tinham seguido Tyrion Lannister para a batalha, talvez metade tivesse sobrevivido.
Deixou os vivos cuidando dos mortos, mandou Bronn tomar conta do cavaleiro prisioneiro e foi
sozinho em busca do pai. Lorde Tywin encontrava-se sentado junto ao rio, bebericando vinho de
uma taça cravejada de joias enquanto o escudeiro desprendia sua placa de peito.
– Uma bela vitória – disse Sor Kevan quando viu Tyrion. – Seus selvagens lutaram bem.
Os olhos do pai estavam postos nele, verde-claros manchados de dourado, tão frios que Tyrion
se arrepiou.
– Isso o surpreendeu, pai? – perguntou. – Estragou seus planos? Deveríamos ter sido
massacrados, não é verdade?
Lorde Tywin esvaziou a taça, sem expressão no rosto.
– Sim, pus os homens menos disciplinados na esquerda. Previ que quebrariam. Robb Stark é um
rapaz verde, provavelmente mais ousado que sábio. Tive esperança de que, se ele visse nossa ala
esquerda ruir, pudesse mergulhar pela abertura, ansioso por uma debandada. Depois de ter se
entregado por completo, as lanças de Sor Kevan dariam meia-volta e o apanhariam pelo flanco,
empurrando-o para o rio enquanto eu trazia a reserva.
– E achou que o melhor seria me colocar no meio dessa carnificina, mantendo-me ignorante de
seus planos.
– Uma debandada fingida é menos convincente – disse o pai –, e não me sinto inclinado a
confiar meus planos a um homem que se associa a mercenários e selvagens.
– Pena que meus selvagens arruinaram a sua dança – Tyrion tirou a manopla de aço e a deixou
cair ao chão, encolhendo-se com a dor que lhe apunhalou o braço.
– O rapaz Stark mostrou ser mais cauteloso do que eu esperava de alguém da sua idade –
admitiu Lorde Tywin –, mas uma vitória é uma vitória. Parece que está ferido.
O braço direito de Tyrion estava ensopado de sangue.
– Que bom que reparou, pai – disse ele entre dentes cerrados. – Seria muito incômodo pedir a
seus meistres para me atenderem? A menos que lhe dê prazer a ideia de ter um anão maneta como
filho…
Um grito urgente de “Lorde Tywin! ” fez o pai virar a cabeça antes que pudesse responder.
Tywin Lannister pôs-se em pé quando Sor Addam Marbrand saltou de seu corcel. O cavalo estava
espumando e sangrava na boca. Sor Addam, um homem alto de cabelos escuros acobreados que
lhe caíam sobre os ombros, coberto por uma lustrosa armadura de aço bronzeado com a árvore em
chamas de sua Casa gravada em negro na placa de peito, caiu sobre o joelho.
– Meu suserano, capturamos alguns de seus comandantes. Lorde Cerwyn, Sor Wylis Manderly,
Harrion Karstark, quatro dos Frey. Lorde Hornwood está morto, e temo que Roose Bolton nos
tenha escapado.
– E o rapaz? – perguntou Lorde Tywin.
Sor Addam hesitou.
– O rapaz Stark não estava com eles, senhor. Dizem que atravessou o rio nas Gêmeas com a
maior parte da cavalaria, avançando rapidamente para Correrrio.
Um rapaz verde, recordou Tyrion, provavelmente mais ousado que sábio. Teria soltado uma
gargalhada, se não doesse tanto.

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