Meia quadra dali, na direção sul — na escuridão de um quarto de azulejos sem ar e
nauseante, entre os restos espalhados de revistas True Detective, pentes de plástico, mechas de cabelo humano e potes de gel para cabelos —, eles enxugam os rostos com toalhas e jalecos de barbeiros e depois encontram mais ingredientes para fazer coquetéis molotov.
Garrafas de tônico capilar são esvaziadas, enchidas com álcool e tapadas com chumaços de
algodão. Eles também encontram um velho taco Louisville Slugger escondido atrás da caixa
registradora. Provavelmente afugentou alguns clientes revoltados ou arruaceiros da vizinhança que queriam levar algum dinheiro. Agora Philip passa a arma a Nick e manda que ele a use com sabedoria.
Eles partem em busca de outros suprimentos que possam usar. Uma velha máquina de
comida nos fundos lhes dá algumas barras de chocolate, dois Twinkies e um espetinho de linguiça
industrializado. Enquanto enchem as mochilas, Philip pede para que não fiquem à vontade demais.
Ele pode ouvir os ruídos do lado de fora — mais mortos chegando àquela região, atraídos pela
explosão. A chuva está diminuindo. Os barulhos ficam mais nítidos. Eles têm que se manter em
movimento se esperam sair da cidade antes do anoitecer.
— Vamos, vamos — ordena Philip. — Vamos dar o fora daqui e passar logo para a próxima
zona. Nicky, você vai na frente.
Relutante, Nick os conduz para fora da barbearia, entrando na garoa e passando pela frente
de mais algumas lojas. Philip cobre a retaguarda com a barra de ferro pronta para entrar em ação,
mantendo um olhar atento sobre Penny, que se agarra com um instinto simiesco às costas de Brian.
No meio do caminho para a próxima zona de segurança, um zumbi isolado sai de trás de um
escombro, avançando ameaçadoramente contra Brian e Penny. Philip o golpeia na parte de trás da
cabeça com o gancho da barra de metal, atingindo-o logo acima da sexta vértebra cervical com tanta
força que o crânio se desprende e fica pendurado sobre o peito, enquanto o corpo desaba no asfalto molhado. Penny desvia o olhar.
Mais cadáveres se materializam nas saídas dos becos e nas sombras das portas.
Nick encontra o próximo símbolo que pintou perto de um cruzamento.
A estrela foi rabiscada na porta de vidro de uma lojinha qualquer. A fachada da loja está
coberta de grades contra ladrões e, tirando alguns fios partidos, lâmpadas de neon quebradas e rolos
de fita isolante, as vitrines estão vazias. A porta está fechada, mas destrancada (exatamente como Nick a deixara, três dias antes).
Abrindo-a com força, Nick faz um gesto com a mão e eles entram com pressa.
Na verdade, entram tão rápido que ninguém percebe a placa acima da porta, as letras
formadas por lâmpadas escuras e frias de neon: LOJINHA DE BRINQUEDOS DO PEQUENO
POLEGAR.
A frente da loja, que mal chega a ter 45 metros quadrados, está cheia de destroços com cores
berrantes. Prateleiras caídas despejaram todo um estoque de bonecas, carrinhos e trenzinhos de
brinquedo em cima dos ladrilhos sujos do chão. Um verdadeiro tornado destruidor varreu a loja.
Fios onde antes ficavam móbiles estão soltos, os resquícios plásticos de peças de Lego e
aviõezinhos empilhados aqui e ali. Os enchimentos de penas dos bichos de pelúcia se mexem como
folhas mortas com o rastro dos visitantes, que batem as portas enquanto passam.
Por alguns instantes, eles ficam no vestíbulo, recuperando o fôlego coletivamente, os olhos
arregalados diante das espantosas ruínas diante deles. Ninguém se mexe por muito tempo. Tem
alguma coisa naqueles destroços que os deixa embasbacados — e colados à entrada.
— Todo mundo quieto — diz Philip finalmente, tirando um lenço do bolso e secando um
pouco do suor na nuca. Ele passa ao lado de um ursinho de pelúcia esmagado e cuidadosamente
segue mais para o fundo da loja. Vê uma porta nos fundos sem nenhuma placa de aviso, talvez um
estoque, talvez uma saída. Brian gentilmente põe Penny no chão e vê se ela está ferida.
Penny assiste ao triste espetáculo de Barbies decapitadas e bichinhos de pelúcia
esfrangalhados.
— Quando passei por aqui — conta Nick, do outro lado da loja, procurando alguma coisa
—, achei que podia ter algumas coisas úteis para a gente, aparelhos, lanternas, walkie-talkies...
qualquer coisa. — Ele vai até o balcão da caixa registradora, sobe alguns degraus e chega a uma
bancada atrás da máquina. — Um lugar como este, nesta parte da cidade... Pombas, eles são capazes
até de ter uma arma.
— O que tem ali atrás, Nicky? — pergunta Philip, apontando o dedão para uma porta com
cortina, nos fundos da loja. A cortina preta e opaca vai até o chão. — Você já viu?
— Eu diria que é o estoque, mas tome cuidado, Philly. Lá atrás é bem escuro.
Philip para na frente da cortina, tira a mochila das costas e apalpa o bolso lateral à procura
da lanterna. Ele a acende e passa pela cortina... desaparecendo na escuridão.
No outro canto da loja, Penny está horrorizada com as bonecas quebradas e os ursinhos de
pelúcia estropiados. Brian a observa de perto. Ele gostaria muito de ajudá-la, gostaria muito que
tudo entrasse novamente nos trilhos, mas só o que pode fazer no momento é se ajoelhar ao lado dela
e tentar distraí-la.
— Você quer um daqueles chocolates?
— Não. — A voz sai de dentro dela como se fosse o barulho de uma marionete, os olhos
grudados nos brinquedos quebrados.
— Tem certeza?
— Tenho.
— A gente tem Twinkies — conta Brian, tentando preencher o silêncio, tentando fazê-la
falar alguma coisa, tentando mantê-la ocupada. Mas, no momento, tudo em que Brian pode pensar é
na expressão do rosto de Philip, a violência nos olhos dele e no mundo inteiro, o mundo deles,
desmoronando.
— Não. Eu estou bem — responde Penny. Ela vê uma pequena mochila da Hello Kitty num
monte de lixo e vai até lá. Pega a mochila e dá uma olhada. — Você acha que alguém ficaria bravo
se eu pegasse algumas dessas coisas?
— Que coisas, querida? — Brian olha para ela. — Você está falando dos brinquedos?
Ela faz que sim.
Uma punhalada de vergonha e tristeza atinge a barriga de Brian.
— Não. Pode pegar à vontade.
Ela começa a pegar pedaços de bonecas quebradas e bichinhos de pelúcia esfolados. Para
Brian, parece um ritual, como um rito de passagem para a menina, na hora que ela escolhe Barbies
sem membros e ursinhos de pelúcia despedaçados. Penny enfia os brinquedos quebrados na mochila
com o cuidado de uma enfermeira fazendo a triagem numa clínica. Brian solta um suspiro.
Exatamente nesse instante, a voz de Philip chama das profundezas do corredor escuro,
interrompendo os pensamentos de Brian, que estava prestes a oferecer o espetinho de linguiça a
Penny, e ele logo se põe de pé.
— O que ele disse?
Do outro lado da loja, Nick se empertiga.
— Não sei. Eu não ouvi.
— Philip! — Brian parte na direção da cortina dos fundos, seu corpo pinicando de tensão
nervosa. — Você está bem?
Passos apressados são ouvidos de trás da cortina e, de repente, ela é aberta com força e
Philip olha para eles com uma expressão exuberante tomando conta do rosto, alguma coisa entre
excitação e euforia.
— Peguem todas as nossas coisas. A gente acabou de ganhar na loteria!
Philip os conduz por um corredor estreito e escuro, passando por prateleiras de brinquedos e
jogos ainda fechados. Depois dá a volta num canto e passa por uma porta de segurança que os
antigos ocupantes aparentemente deixaram destrancada no meio da fuga. Mais um corredor estreito
e, guiados pelo facho exíguo da lanterna de Philip, eles chegam à saída de incêndio. A porta de
metal está ligeiramente entreaberta, as sombras de uma passagem visíveis do outro lado.
— Dá só uma olhada no que tem do outro lado da lojinha de brinquedos. — Com a bota,
Philip empurra a porta de incêndio. — Nossa passagem para fora deste inferno.
A porta de metal se abre completamente e Brian se vê olhando para outro corredor estreito,
quase que uma réplica perfeita da primeira porta de incêndio.
Essa porta também está entreaberta e, pela fresta, Brian vê, encoberta pelas sombras, filas e
filas de reluzentes rodas de aço.
— Meu Deus — murmura ele. — Será que isso é o que eu estou pensando?
O lugar é enorme — engloba toda a esquina do andar térreo do prédio vizinho —, com
vitrines reforçadas dos três lados. Visível pela vidraça está a rua do lado de fora, por onde
perambulam vultos sombrios e desgarrados, andando na chuva como almas penadas, mas do lado de
dentro — no alegre e esfuziante mundo do Champion Cycle Center, a principal concessionária de
motos de Atlanta —, tudo está quente, arrumado e brilhando de novo.
Aquele showroom parece não ter sido tocado pela praga. Pela luz difusa que penetra as
enormes vitrines, motocicletas de todas as marcas e modelos estão alinhadas em quatro belas
fileiras que se estendem de um lado a outro da concessionária. O ar tem cheiro de borracha nova e
couro curtido e aço da melhor qualidade. Os cantos do showroom têm tapetes com o logotipo
gravado, novos e exuberantes como os do saguão de um hotel luxuoso. Placas de neon apagadas
estão penduradas no teto com as marcas dos produtos: Kawasaki, Ducati, Yamaha, Honda, Triumph,
Harley-Davidson e Suzuki.
— Você acha que alguma delas tem gasolina? — Brian olha 360 graus ao redor, verificando
todo o showroom.
— Nós tiramos a sorte grande, cara. — Philip indica os fundos do salão, atrás das mesas e
dos balcões de venda e das prateleiras cheias de peças. — Eles têm uma oficina ali atrás, com uma
garagem... A gente pode puxar gasolina de qualquer uma delas com a maior facilidade.
Penny olha sem emoção para aquele enorme banquete de borracha e cromo. Ela continua
com a mochila da Hello Kitty presa nos pequeninos ombros.
A cabeça de Brian está nadando. Emoções contraditórias batem umas nas outras como se
fossem ondas — excitação, ansiedade, esperança e medo.
— Só tem um probleminha — murmura ele baixinho, a angústia e a incerteza pesando sobre
os ombros.
Philip olha para o irmão.
— O que foi agora?
Brian limpa a boca.
— Eu não tenho a menor ideia de como se dirige uma dessas coisas.
Todos caem numa sonora e muito necessária gargalhada — nervosa, meio ácida, talvez, mas
mesmo assim uma gargalhada — à custa de Brian. Philip garante ao irmão que não faz a menor
diferença ele nunca ter dirigido uma motocicleta; “qualquer retardado” aprende em dois minutos. O
mais importante é que tanto Philip quanto Nick tiveram motocicletas durante muitos anos e, da
última vez que Philip contou, eles eram só quatro. Portanto, as duas pessoas que não sabiam dirigir
podiam ir na garupa das duas que sabiam.
— Quanto mais rápido a gente sair de Atlanta, mais chance a gente vai ter desarmado —
comenta Philip minutos depois, passando a mão pelas roupas de couro penduradas num canto da
loja: jaquetas, calças, coletes e acessórios. Ele escolhe uma jaqueta Harley marrom e um par de
botas pretas pesadas. — Eu quero que todos tirem as roupas molhadas do corpo e estejam prontos
em cinco minutos. Brian, você ajuda Penny.
Eles se trocam, enquanto a chuva arrefece do lado de fora dos vidros. A esquina agora está
infestada de maltrapilhos — um monte de almas destroçadas e aturdidas, algumas chamuscadas pela
explosão, outras em estágios avançados de decomposição. Os rostos começam a se esfacelar, alguns
babando vermes e se transformando em máscaras escuras de carne pútrida. No entanto, nenhum
deles percebe o movimento no salão às escuras.
— Está vendo os Mordedores se juntando ali? — murmura Nick para Philip, baixinho. Nick
já vestiu as roupas secas e está puxando o zíper de uma jaqueta de couro. Com o queixo, ele aponta
discretamente para a luz cinza que entra pela vitrine. — Alguns já estão bem maduros.
— E daí?
— Alguns deles já estão assim há o quê? Umas três, quatro semanas?
— No mínimo. — Philip pensa um pouco, tirando as calças jeans molhadas. A cueca está tão
colada na pele que ele tem quase que “descascá-la”. Ele se vira, de modo que Penny não veja nada.
— Essa merda toda eclodiu há mais de um mês. E daí?
— Eles estão apodrecendo.
— Hein?
Nick diminui o tom de voz para não chegar aos ouvidos de Penny, ocupada do outro lado do
salão com um pequeno casaco de inverno que Brian está descobrindo como abrir.
— Pensa um pouco, Philly. Normalmente, um corpo normal vira pó em mais ou menos um
ano. — Ele abaixa a voz ainda mais. — Especialmente se estiver exposto aos elementos da
natureza.
— O que você quer dizer com isso, Nick? Que tudo o que a gente tem que fazer é esperar o
tempo passar? Deixar os vermes trabalharem?
Nick dá de ombros.
— É, eu acho que sim...
— Ouça — diz Philip, apontando um dedo para a cara de Nick. — Guarde suas teorias para
você.
— Eu não quis...
— Eles não vão desaparecer, Nicky. Trata de meter isso nessa sua maldita cabeça. E eu não
quero que a minha filha ouça essas coisas. Eles comem quem está vivo, se reproduzem e, quando
apodrecerem, vai ter mais gente como eles para ficar no lugar deles e, a julgar pelo fato de que o
velho Chalmers se transformou sem nem sequer ter sido mordido, os dias dessa merda de mundo
estão mais do que contados. Então aceite isso, meu caro, porque já é mais tarde do que você pensa.
Nick abaixa a cabeça.
— Tudo bem, cara, já entendi... Mas se acalme, Philly.
A essa altura, Brian já conseguiu vestir Penny e os dois vão até eles.
— Estamos prontos. Na medida do possível.
— Que horas são? — pergunta Philip a Brian, que está um tanto ridículo numa jaqueta de
couro da Harley um número e meio maior do que deveria.
Ele olha para o relógio.
— Quase meio-dia.
— Ótimo. Isso nos dá umas seis ou sete horas de dia claro para ir para bem longe daqui.
— Vocês já escolheram as suas motos?
Philip lhe dá um sorriso frio.
Eles escolhem duas das maiores obras de arte do lugar: duas Harley-Davidsons Electra
Glides, uma azul pérola e a outra preta. A escolha é feita pelo tamanho dos motores, pelo espaço dos
assentos, pelos centímetros cúbicos de espaço de armazenagem e também, cacete, porque são
Harleys. Philip decide que vai levar Penny com ele e Brian vai na garupa de Nick. Os tanques de
gasolina estão vazios, mas várias motos na oficina dos fundos têm combustível, de modo que
transferem o máximo que podem para as Harleys.
Durante os 15 minutos de que precisam para preparar as motos, encontrar capacetes
adequados e transferir todas as coisas para os bagageiros, a rua fica infestada de mortos-vivos.
Centenas de Mordedores tomam o cruzamento, perambulando sem destino na garoa cinza, roçando
no vidro, uivando seus gemidos enferrujados, babando aquela gosma preta e fixando os olhos
cinza-chumbo nas sombras que se movem no interior do Champion Cycle Center.
— O movimento está grande lá fora — murmura Nick para ninguém em especial, conforme
leva a imensa motocicleta para a saída lateral, onde uma pequena porta de garagem dá para o
estacionamento que fica ao lado da concessionária. Ele põe o capacete.
— Um elemento surpresa — comenta Philip, empurrando a Harley preta até a porta. Seu
estômago ronca de fome e angústia enquanto ele põe o capacete. Não come nada há quase 24 horas.
Nenhum deles. Philip enfia a barra de ferro do ônibus num nicho entre o guidão e o para-brisa, para
acesso fácil e rápido.
— Vamos lá, meu amorzinho. Suba aqui — diz ele para Penny, que está de pé com o olhar
ingênuo, com um capacete de criança. — Vamos dar uma volta, sair deste lugar.
Brian ajuda a menina a subir no banco do carona, um banco mais alto em cima do bagageiro
preto. Tem um cinto de segurança num dos compartimentos laterais e Brian o afivela em volta da
cintura da menina.
— Não se preocupe, bonitinha — diz ele para ela.
— A gente vai para o sul e depois para o oeste, entenderam? — diz Philip, montando na fera.
— Nicky, você vem atrás de mim.
— Positivo.
— Todos prontos?
Brian vai até a porta e faz que sim, nervoso.
— Pronto.
Philip pisa fundo na Harley, o motor roncando e enchendo o showroom escuro de barulho e
de fumaça. Nick também mete o pé na moto. O segundo motor libera uma melodia um tanto
dissonante do primeiro. Philip acelera a motocicleta e faz sinal para Brian abrir a porta.
Brian encaixa a manivela manual na porta e a abre inteiramente, fazendo o vento úmido
entrar. Philip engata a primeira e segue em frente.
Brian sobe na garupa da moto de Nick e eles disparam atrás de Philip.
— AI, MERDA! MEU DEUS DO CÉU! PHILIP! PHILIP! OLHA PARA BAIXO! OLHA
PARA BAIXO, CARA! PHILIP, OLHA PARA BAIXO!
Os gritos desesperados de Brian são abafados pelo capacete e encobertos pelo ruído das
motos.
Acontece instantes depois de eles arremeterem no meio de uma massa de Mordedores que
entopem o cruzamento, os corpos maltrapilhos sendo atingidos pelos para-lamas. Depois de fazer
uma curva brusca para a esquerda e partir para a Water Street, ao sul, deixando as hordas no meio
da poeira e da fumaça, Brian vê o corpo estropiado sendo arrastado no asfalto atrás da moto de
Philip.
A metade inferior daquele troço já se foi e os intestinos ficam balançando como se fossem
fios elétricos ao vento, mas o tórax ainda tem energia e a cabeça continua intacta. Com os dois
braços mortos, ele ainda se prende ao para-lama traseiro e começa a se erguer ao lado da Harley.
Mas o pior é que nem Philip, nem Penny, parecem se dar conta que ele está ali.
— ALINHA COM A MOTO DELE, NICK! ALINHA COM ELE! — grita Brian, com os
braços presos ao redor da cintura de Nick.
— EU ESTOU TENTANDO!
A essa altura, avançando pela deserta e úmida rua lateral, com a moto aquaplanando no
asfalto, Penny se dá conta da criatura presa na moto, se esgueirando até ela, e começa a gritar. Do
ponto em que Brian está, 10 metros atrás deles, não dá para ouvir o grito da menina; parece o gesto
exagerado de uma atriz de cinema mudo.
Nick acelera com vontade. A Harley encurta a distância.
— PEGA O TACO! — grita ele por cima do ruído, e Brian tenta tirar o taco de beisebol do
bagageiro atrás dele.
Lá na frente, sem qualquer aviso, Philip Blake percebe a coisa que está atrelada à traseira da
moto. O capacete dele se inclina rapidamente conforme se abaixa para pegar a arma.
A essa altura, Nick está a menos de 2 metros da lanterna da outra Harley, mas antes que
Brian possa interferir com o taco, ele vê Philip pegando a barra de ferro da bainha improvisada na
frente da moto.
Com um movimento rápido e violento, que faz a Harley se desviar ligeiramente do curso,
Philip se vira no banco — segurando o guidão com uma das mãos — e enfia o lado do gancho na
boca do zumbi.
A cabeça disforme do monstro é atingida a poucos centímetros de onde está Penny, com a
barra se alojando entre os reluzentes canos de descarga. Philip levanta a perna direita e, com a força
de um aríete, chuta o cadáver (com barra e tudo) para longe da motocicleta. O troço dá uma
cambalhota e sai rolando e Nick tem que fazer uma manobra brusca para não bater nele.
Philip aumenta a velocidade, mantendo-se na rota programada, rumo ao sul, sem se dar o
trabalho de olhar para trás.
Eles vão em frente, ziguezagueando pela zona sul da cidade, evitando as regiões
congestionadas. Um quilômetro e meio mais adiante, Philip encontra outra artéria principal que está
relativamente livre de destroços e mortos-vivos e os conduz por ela. A essa altura, eles estão a 5
quilômetros do perímetro de Atlanta.
A linha do horizonte está livre, o céu, ligeiramente mais iluminado a oeste.
Eles têm gasolina suficiente para andar mais 650 quilômetros, sem precisar reabastecer.
O que quer que os espere no campo cinzento tem que ser melhor do que o que sofreram em
Atlanta.
Tem que ser.