domingo, 29 de setembro de 2013

Epílogo - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 1


Mais tarde, após todo o barulho e as comemorações terem diminuído, Will estava sentado sozinho na minúscula varanda da pequena cabana de Halt. Na mão, ele segurava um pequeno amuleto de bronze no formato de uma folha de carvalho com uma corrente de aço passada por um elo no alto.
— É o nosso símbolo — seu mentor tinha explicado quando o entregou para ele depois dos acontecimentos no castelo. — O equivalente ao brasão de armas dos cavaleiros.
Então ele procurou no interior da própria gola e tirou uma folha de carvalho de formato idêntico pendurada numa corrente no pescoço. A forma era parecida, mas a cor era diferente. A folha de carvalho que Halt usava era de prata.
— Bronze é a cor dos aprendizes — Halt tinha contado para ele. — Quando você terminar o treinamento, vai receber uma folha de carvalho de prata como esta. Todos da Corporação dos Arqueiros usam prata ou bronze.
Ele tinha desviado o olhar do garoto por alguns minutos.
— Para falar a verdade, você não devia recebê-la até depois de sua primeira avaliação — ele acrescentou com a voz um pouco rouca. — Mas duvido que alguém se oponha a isso, depois de tudo o que aconteceu.
Agora, o pedaço de metal de formato curioso brilhava fracamente na mão de Will enquanto ele pensava na decisão que tinha tomado. Parecia muito estranho que tivesse desistido voluntariamente da única coisa que tinha esperado quase toda a vida: a oportunidade de frequentar a Escola de Guerra e assumir uma posição como cavaleiro no exército do Castelo Redmont.
Ele girou a folha de carvalho de bronze na corrente em volta do dedo indicador, deixou-a subir pelo dedo e a soltou com um profundo suspiro. A vida podia ser muito complicada. Bem no fundo, sentiu que tinha tomado a decisão acertada. E, mesmo assim, ainda mais no fundo, havia uma pequena dúvida.
Assustado, percebeu que havia alguém parado ao lado dele. Ao se virar de repente, reconheceu Halt. O arqueiro se inclinou e se sentou ao lado do garoto no banco rústico de pinho na varanda estreita. Diante deles, o sol baixo do fim de tarde passava pelas folhas verde-claras da floresta, e a luz parecia dançar e girar enquanto a brisa leve sacudia as folhas.
— Um grande dia — ele disse em voz baixa, e Will concordou. — E uma grande decisão que você tomou — Halt acrescentou depois de vários minutos de silêncio.
Desta vez, Will se virou para olhar para seu mestre.
— Halt, tomei a decisão certa? — ele perguntou finalmente com angústia na voz.
Halt apoiou os cotovelos nos joelhos e se inclinou um pouco para a frente, semicerrando os olhos diante da luz forte que passava pelas folhas.
— No que me diz respeito, sim. Escolhi você como aprendiz e posso ver todo o potencial que você tem para ser um arqueiro. Até cheguei a quase gostar da sua presença e de ficar tropeçando em você — ele acrescentou com a leve sugestão de um sorriso. — Mas meus sentimentos e meus desejos não são importantes nesse caso. A decisão certa para você se refere ao que você mais quer.
— Sempre quis ser um cavaleiro — Will contou e então percebeu, com certa surpresa, que tinha dito a frase no passado. Mas, mesmo assim, sabia que parte dele ainda queria isso.
— É claro que é possível querer duas coisas diferentes ao mesmo tempo — Halt disse em voz baixa. — Então, tudo se torna uma questão de escolha e de saber o que se quer mais.
Não era a primeira vez que Will tinha a sensação de que Halt, de alguma forma, havia lido a sua mente.
— Se você não pode resumir tudo num só pensamento, qual é a principal razão pela qual está um pouco desapontado por ter recusado a oferta do barão? — Halt continuou.
— Acho que... — Will disse devagar, pensando na pergunta. — Acho que, ao recusar a Escola de Guerra, estou decepcionando um pouco o meu pai.
— O seu pai? — Halt repetiu surpreso, e Will concordou.
— Ele foi um excelente guerreiro — contou para o arqueiro. — Um cavaleiro. Ele morreu em Hackman Heath, lutando contra os Wargals. Um herói.
— E você sabe de tudo isso, certo? — Halt perguntou, e Will assentiu com um gesto.
Aquele sonho o tinha sustentado durante os longos e solitários anos em que nunca soube quem era ou o que deveria ser. Agora, o sonho tinha se transformado em realidade.
— Ele era um homem de que qualquer filho teria orgulho — ele disse finalmente, e Halt concordou.
— Isso realmente é verdade.
Havia algo em sua voz que fez Will hesitar. Halt não estava somente concordando por educação. Will se virou para ele depressa, percebendo todas as implicações das palavras do arqueiro.
— Você conheceu ele, Halt? Você conheceu meu pai?
Havia uma luz de esperança no olhar do garoto, que pedia a verdade. O arqueiro assentiu sério.
— Sim, conheci. Não convivi com ele por muito tempo, mas acho que poderia dizer que conhecia ele bem. E você está certo. Você pode ter muito orgulho dele.
— Ele foi um excelente guerreiro, não foi? — Will indagou.
— Ele era um soldado — Halt concordou — e um lutador corajoso.
— Eu sabia! — Will disse feliz. — Ele foi um grande cavaleiro!
— Um sargento — Halt acrescentou devagar e com delicadeza.
Will ficou boquiaberto e não conseguiu dizer o que pretendia.
— Um sargento? — ele conseguiu finalmente balbuciar.
Halt assentiu. Ele pôde ver o desapontamento no olhar do garoto e colocou um braço ao redor de seus ombros.
— Não julgue as qualidades de um homem pela posição que ele ocupa na vida, Will. O seu pai, Daniel, foi um soldado leal e corajoso. Não teve a oportunidade de frequentar a Escola de Guerra porque começou a vida como fazendeiro. Mas, se tivesse frequentado, teria sido um dos melhores cavaleiros.
— Mas ele... — o garoto começou tristemente.
O arqueiro fez que parasse e continuou na mesma voz gentil, suave e irresistível.
— Porque, sem ter feito qualquer juramento ou treinamento especial pelo qual os cavaleiros passam, ele viveu de acordo com os mais altos ideais da nobreza, bravura e valor. Na verdade, ele morreu alguns dias depois da batalha em Hackman Heath, enquanto Morgarath e seus Wargals estavam lutando para voltar ao Desfiladeiro dos Três Passos. Um contra-ataque repentino nos pegou de surpresa, e o seu pai viu um companheiro cercado por uma tropa de Wargals. O homem estava no chão e a poucos segundos de ser feito em pedaços quando seu pai o ajudou.
A luz nos olhos do garoto recomeçou a brilhar.
— Verdade? — Will perguntou baixinho, e Halt concordou com um gesto de cabeça.
— Verdade. Ele deixou a segurança da linha de batalha e pulou para a frente, armado apenas com a lança. Ficou em cima do companheiro ferido e o protegeu dos Wargals. Matou um deles com a lança e então outro despedaçou a ponta da arma, deixando Daniel somente com o cabo. Assim, ele o usou como se fosse um varapau e nocauteou outros dois: esquerda, direita! Foi exatamente assim!
Halt agitou a mão para a esquerda e para a direita para mostrar o que tinha acontecido. Os olhos de Will estavam presos nele agora, vendo a batalha enquanto o arqueiro a descrevia.
— Ele ficou ferido quando a haste da lança quebrou em outro ataque. Teria sido suficiente para matar qualquer homem, mas seu pai simplesmente tirou a espada de um dos Wargals que tinha matado e derrubou outros três, sangrando sem parar de um ferimento profundo que tinha na lateral do corpo.
— Três deles? — Will repetiu.
— Três. Ele era rápido como um leopardo. E, lembre-se, como lanceiro, nunca tinha realmente treinado com a espada.
Ele fez uma pausa, recordando aquele dia ocorrido tanto tempo atrás.
— Acho que você sabe que os Wargals não têm medo de quase nada. Eles são chamados de Os Indiferentes e, quando começam uma batalha, quase sempre são eles que a terminam. Quase sempre. Essa foi uma das poucas vezes que vi os Wargals com medo. Quando seu pai deu golpes para todos os lados, ainda parado em cima do companheiro ferido, eles começaram a recuar. Primeiro devagar. Depois correram. Eles simplesmente se viraram e correram. Nunca vi outro homem, fosse cavaleiro ou poderoso guerreiro, que pudesse fazer os Wargals fugirem assustados. Seu pai conseguiu. Ele pode ter sido um sargento, Will, mas foi o guerreiro mais poderoso que já tive o privilégio de ver lutando. Então, quando os Wargals recuaram, ele se apoiou em um joelho ao lado do homem que tinha ajudado e, mesmo sabendo que também estava morrendo, ainda tentou proteger ele. Seu pai tinha vários ferimentos, mas provavelmente foi o primeiro que matou ele.
— E o amigo dele se salvou? — Will perguntou em voz baixa. — O amigo? — Halt indagou um tanto surpreso.
— O homem que ele protegeu — Will explicou. — Ele sobreviveu?
De alguma forma, ele pensou que teria sido uma tragédia se o corajoso esforço do pai não tivesse tido êxito.
— Eles não eram amigos — Halt contou. — Até aquele momento, ele nunca tinha posto os olhos no outro homem — ele fez uma pausa e acrescentou: — e vice-versa.
O significado daquelas últimas palavras penetraram no fundo da mente de Will.
— Você? — ele sussurrou. — Você era o homem que ele salvou?
Halt assentiu com um gesto.
— Como eu disse, eu só o conheci por alguns minutos, mas ele fez mais por mim do que qualquer outro homem, antes ou depois disso. Enquanto morria, ele me falou da mulher e de como ela estava na fazenda sozinha com um bebê para nascer a qualquer momento. Ele me implorou para ver se estavam cuidando dela.
Will olhou para o rosto sério e barbado que tinha passado a conhecer tão bem. Havia uma profunda tristeza nos olhos de Halt ao se lembrar daquele dia.
— Cheguei tarde demais para salvar sua mãe. Foi um parto difícil, e ela morreu logo depois que você nasceu. Mas eu trouxe você para cá, e o barão Arald concordou que você deveria ser criado como protegido do castelo até ter idade suficiente para se tornar meu aprendiz.
— Mas, durante todos esses anos, você nunca... — Will parou sem palavras.
Halt sorriu tristemente para ele.
— Nunca deixei ninguém saber que tinha colocado você no castelo como protegido? Não. Pense nisso, Will. As pessoas são... esquisitas quando se trata dos arqueiros. Como elas teriam tratado você? Ficariam perguntando que tipo de criatura estranha você era. Decidimos que seria melhor que ninguém soubesse do meu interesse em você.
Will concordou. Naturalmente, Halt tinha razão. A vida como protegido já tinha sido bastante difícil. Teria sido pior se as pessoas soubessem que ele tinha alguma ligação com Halt.
— Então você me aceitou como aprendiz por causa do meu pai? — Will quis saber.
Mas desta vez Halt balançou a cabeça negativamente.
— Não. Garanti que tomassem conta de você por causa de seu pai. Escolhi você porque mostrou ter a capacidade e as habilidades necessárias. E você também parece ter herdado a coragem de seu pai.
Houve um longo silencio entre eles enquanto Will assimilava a história da incrível batalha do pai. De alguma forma, a verdade era mais sensacional, mais inspiradora do que qualquer fantasia que ele pudesse ter criado ao longo dos anos. Por fim, Halt se levantou para se afastar, e o garoto sorriu agradecido para a figura grisalha, agora uma silhueta contra o céu, enquanto a última luz do dia desaparecia.
— Acho que meu pai ficaria satisfeito com a minha escolha — ele afirmou, deslizando a corrente com a folha de carvalho de bronze sobre a cabeça.
Halt simplesmente acenou uma vez com a cabeça, virou-se e entrou na cabana, deixando o aprendiz com seus pensamentos.
Will ficou sentado em silêncio por alguns minutos. Quase sem pensar, tocou a folha de carvalho de bronze que pendia do seu pescoço. Os sons do pátio de exercícios da Escola de Guerra e o ininterrupto martelar e estrépito da oficina de armas que vinha funcionando dia e noite durante a última semana chegavam até ele, carregados pela brisa da noite. Eram os sons do Castelo Redmont se preparando para a guerra.
Porém, estranhamente, pela primeira vez na vida, ele se sentiu em paz.

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