quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Capitulo 8 - A Maldição do Titã

Blackjack me deu uma carona até a praia, e admito que foi legal. Estar em um cavalo alado,
tocando de leve nas ondas a cem quilômetros por hora com o vento no meu cabelo e o borrifo do
mar no meu rosto — ei, é melhor que esqui aquático em qualquer dia.
Aqui. Blackjack reduziu a velocidade e virou em círculo. Diretamente abaixo.
“Obrigado.” Desmontei de suas costas e mergulhei no mar gelado.
Estava me sentindo mais confortável fazendo acrobacias como essa nos últimos anos.
Podia me mover praticamente do jeito que eu quisesse dentro d’água, apenas desejando que as
correntes marinhas mudassem ao meu redor e me impulsionassem para frente, eu podia respirar
embaixo d’água, sem problemas, e minhas roupas nunca molhavam a não ser que eu quisesse.
Disparei para baixo na escuridão.
Cinco, dez, quinze metros. A pressão não era desconfortável. Eu nunca tentei forçar —para ver
se havia um limite para quão profundamente eu podia mergulhar. Sabia que a maioria dos
humanos normais não conseguia passar de sessenta metros sem ser amassado como uma lata de
alumínio. Eu deveria estar cego também, tão fundo na água à noite, mas eu conseguia ver o calor
das formas de vida, e o frio das correntes. É difícil descrever. Não era como uma visão comum,
mas eu podia dizer onde todas as coisas estavam.
Quando cheguei mais perto do fundo do mar, vi três cavalosmarinhos — cavalos com rabos de
peixe — nadando em círculo ao redor de um barco revirado. Os cavalosmarinhos eram bonitos de
observar. Suas caudas de peixe reluziam nas cores do arcoíris, brilhando fosforescentes. Suas
crinas eram brancas, e eles galopavam pela água do jeito que cavalos nervosos fazem em uma
tempestade. Alguma coisa os estava perturbando.
Cheguei mais perto e vi o problema. Uma forma escura — algum tipo de animal —estava presa
pela metade debaixo do barco e enroscado em uma rede de pesca, uma dessas grandes redes que se
usam em navios pesqueiros para capturar tudo de uma vez.
Odiava essas coisas. Era suficientemente ruim eles afogarem botos e golfinhos, mas eles de vez
em quando também capturavam animais mitológicos. Quando as redes ficavam emaranhadas,
alguns pescadores preguiçosos apenas as cortavam e deixavam os animais presos morrerem.
Aparentemente esta pobre criatura esteve fertilizando o fundo do mar do Estuário de Long
Island e de algum jeito se enroscou na rede deste barco pesqueiro afundado. Ela tinha tentado sair,
mas conseguiu ficar ainda mais desesperadamente presa, virando o barco no processo. Agora os
destroços do casco, que estava apoiado contra uma grande pedra, estavam oscilando e ameaçando
desabar em cima do animal enroscado.
Os cavalosmarinhos estavam nadando ao redor freneticamente, querendo ajudar, mas sem saber
como. Um estava tentando mastigar a rede, mas dentes de cavalosmarinhos simplesmente não são
feitos para cortar cordas. Cavalosmarinhos são realmente fortes, mas eles não têm mãos, e não são
(shhh) tão inteligentes.
Liberte, lorde! Um cavalo-marinho disse quando me viu. Os outros se juntaram, pedindo a
mesma coisa.
Nadei para olhar mais de perto a criatura enroscada. Primeiramente pensei que fosse um jovem
cavalo-marinho. Já tinha resgatado muitos deles antes. Mas aí eu ouvi um barulho estranho, algo
que não pertencia ao ambiente subaquático.
“Mooooooo!”
Eu me aproximei da coisa e vi que era uma vaca. Quero dizer... já tinha ouvido falar de vacas
marinhas, tipo peixe-boi e coisas assim, mas essa era realmente uma vaca com a traseira de uma
serpente. A metade da frente era um bezerro — um bebê, com pelo negro e olhos castanhos
grandes e tristes, com focinho branco — e sua metade de trás era uma cauda de serpente preta e
marrom com barbatanas correndo do início ao fim, como uma enguia gigante.
“Uau, pequenino,” eu falei. “De onde você vem?”
A criatura me olhou, triste.
“Moooo!”
Mas eu não consegui entender seus pensamentos. Apenas falava com cavalos.
Nós não sabemos o que é, lorde, um dos cavalosmarinhos disse. Muitas coisas estranhas estão
se agitando.
“Sim,” murmurei. “Também ouvi falar.”
Desencapei Contracorrente, e a espada cresceu até o tamanho total em minhas mãos, sua lâmina
de bronze reluzindo no escuro.
A vaca-serpente enlouqueceu e começou a se debater contra a rede, seus olhos cheios de terror.
“Uou!” eu disse. “Não vou machucar você! Apenas me deixe cortar a rede.”
Mas a vaca-serpente se descontrolou de vez e ficou ainda mais enroscada. O barco começou a
inclinar, remexendo a imundice do fundo do mar e ameaçando tombar por cima da vaca-serpente.
Os cavalosmarinhos relinchavam em pânico fazendo rebuliço na água, o que não ajudava.
“Ok, ok!” eu disse. Guardei a espada e comecei a falar o mais calmo que podia, para os
cavalosmarinhos e a vaca-serpente pararem com o pânico. Não sabia se era possível ser pisoteado
dentro d’água, mas eu não queria realmente descobrir. “Tá legal. Nada de espada. Viu? Sem
espada. Pensamentos calmos. Algas marinhas. Mamãe vaca.
Vegetarianismo.”
Eu duvidava que a vaca-serpente tivesse entendido o que eu estava falando, mas ela respondeu
ao tom da minha voz. Os cavalosmarinhos ainda estavam fazendo drama, mas eles pararam de
rodopiar à minha volta bem rapidamente.
Liberte, lorde! eles imploravam.
“É.” eu disse. “Isso eu já entendi. Estou pensando.”
Mas como eu poderia libertar a vaca-serpente quando ela (decidi que era provavelmente uma
fêmea) entrava em pânico ao avistar uma lâmina? Era como se ela tivesse visto espadas antes e
soubesse o quanto eram perigosas.
“Tudo bem,” falei aos cavalosmarinhos. “Preciso que vocês todos empurrem do jeito que eu
falar.”
Primeiro começamos com o barco. Não foi fácil, mas com a força de três cavalos vigorosos nós
conseguimos virar os destroços, então não estava mais ameaçando desabar na vaca-serpente bebê.
Depois fui trabalhar na rede, desemaranhando parte por parte, retirando pesos de chumbo e anzóis
retorcidos, arrancando nós em torno dos cascos da vaca-serpente. Levou uma eternidade — quero
dizer, foi pior que a vez em que tive que desemaranhar todos os fios dos meus controles de vídeo
game. O tempo todo continuei conversando com o peixe vaca, falando que tudo estava bem
enquanto ela mugia e gemia.
“Está tudo bem, Bessie,” eu disse. Não me pergunte por que comecei a chamá-la assim.
Apenas parecia um bom nome para uma vaca. “Boa vaca. Vaca simpática.”
Finalmente, a rede saiu e a vaca-serpente disparou pela água e deu uma feliz cambalhota.
Os cavalosmarinhos relincharam de alegria. Obrigado, lorde!
“Moooo!” A vaca-serpente encostou o focinho em mim e me olhou com seus grandes olhos
castanhos.
“Sim,” eu disse. “Tudo ok. Vaca simpática. Bem... fique longe de problemas.”
O que me lembrou, eu estava debaixo d’água há quanto tempo? Uma hora, pelo menos.
Precisava voltar para o meu chalé antes que Argo ou as harpias descobrissem que eu estava
desobedecendo ao toque de recolher.
Disparei para cima e atravessei a superfície da água. Imediatamente, Blackjack desceu e me
deixou segurar em seu pescoço. Ele me levantou no ar e me levou de volta ao litoral.
Sucesso, chefe?
“Sim. Nós resgatamos um bebê… ou algo assim. Demorou uma eternidade. Quase fui
pisoteado.”
Bons feitos são sempre perigosos. Você salvou minha pobre crina, não foi?
Não pude evitar pensar no meu sonho, com Annabeth machucada e sem vida nos braços de
Luke. Eu estava aqui, resgatando bebês monstros, mas não podia salvar minha amiga.
Enquanto Blackjack voava de volta para o meu chalé, olhei de relance para o refeitório.
Vi uma figura — um garoto agachado atrás de uma coluna grega, como se estivesse se
escondendo de alguém.
Era Nico, mas não era alvorada ainda. Nem um pouco perto do horário do café da manhã. O que
ele estava fazendo ali?
Eu hesitei. A última coisa que eu queria era mais tempo para Nico me falar sobre seu jogo
Mythomagic. Mas algo estava errado. Podia falar pelo jeito como ele estava agachado.
“Blackjack,” eu disse. “Deixe-me bem ali, pode ser? Atrás daquela coluna.”
Eu quase estraguei tudo.
Eu estava subindo os degraus atrás de Nico. Ele não havia me visto. Estava atrás de uma coluna,
espiando pelo canto, toda a atenção voltada para a área de refeições. Eu estava a um metro e meio
de distância, prestes a falar O que você está fazendo? bem alto, quando me ocorreu que ele estava
dando uma de Grover: ele estava espiando as Caçadoras.
Havia vozes — duas garotas conversando em uma das mesas de jantar. A essa hora
despropositada da manhã? Bem, a não ser que você seja a deusa da alvorada, eu acho.
Tirei o boné mágico de Annabeth do meu bolso e pus na cabeça.
Não me senti nem um pouco diferente, mas quando levantei os braços, não conseguia vê-los. Eu
estava invisível.
Eu me arrastei até Nico e me esgueirei em torno dele. Não conseguia ver muito bem as garotas
no escuro, mas conhecia as vozes delas: Zoe e Bianca. Parecia que elas estavam discutindo.
“Não pode ser curado,” Zoe estava dizendo. “Não rapidamente, de qualquer maneira.”
“Mas como isso aconteceu?” Bianca perguntou.
“Uma travessura boba,” rosnou Zoe. “Esses garotos Stol do chalé de Hermes. Sangue de
centauro é como ácido. Todo mundo sabe disso. Eles borrifaram a parte de dentro daquela
camiseta do Passeio de Caça de Ártemis com isso.”
“Isso é terrível!”
“Ela vai viver,” Zoe disse. “Mas ela vai ficar de cama por semanas com horríveis marcas de
alergia. De forma alguma ela poderá ir. Cabe a mim... e a ti.”
“Mas a profecia,” Bianca disse. “Se Phoebe não pode ir, nós só temos quatro. Teremos que
escolher outro.”
“Não há tempo,” disse Zoe. “Nós devemos partir à primeira luz. Isto é imediatamente.
Além do mais, a profecia disse que perderíamos um.”
“Na terra árida,” Bianca disse, “mas isso não pode ser aqui.”
“Pode ser.” Zoe disse, mesmo que não soasse convincente. “O acampamento tem fronteiras
mágicas. Nada, nem mesmo o clima, pode entrar sem permissão. Poderia ser uma terra árida.”
“Mas —”
“Bianca, escuta-me,” a voz de Zoe estava cansada. “Eu... eu não posso explicar, mas tenho um
pressentimento de que não devemos escolher outra pessoa. Seria muito perigoso. Eles iriam
conhecer um fim pior que o de Phoebe. Não quero Quíron escolhendo um campista como nosso
quinto companheiro. E... não quero arriscar outra Caçadora.”
Bianca estava em silêncio.
“Você devia falar para Thalia o resto do seu sonho.”
“Não. Não iria ajudar.”
“Mas se suas suspeitas estiverem corretas, sobre o General —”
“Tenho tua palavra de não falar sobre isso.” Zoe disse. Ela parecia realmente angustiada. “Nós
vamos descobrir muito em breve. Agora vem. A alvorada está surgindo.”
Nico saiu do caminho delas. Ele foi mais rápido do que eu.
Enquanto as garotas desciam os degraus, Zoe quase encostou em mim. Ela congelou, os olhos
estreitando. Sua mão se arrastou até o arco, mas então Bianca disse, “As luzes da Casa Grande
estão acesas. Vamos!”
E Zoe a seguiu para fora do pavilhão.
Eu podia dizer o que Nico estava pensando. Ele respirou fundo e estava prestes a correr atrás de
sua irmã quando eu tirei o boné de invisibilidade e disse, “Espere.”
Ele quase escorregou nos degraus congelados enquanto girava em volta para me achar.
“De onde você veio?”
“Estive aqui o tempo todo. Invisível.”
Ele fez com a boca a palavra invisível. “Uau. Legal.”
“Como você sabia que Zoe e sua irmã estavam aqui?”
Ele ficou vermelho. “Eu as ouvi andando perto do chalé de Hermes. Eu não... eu não durmo tão
bem no acampamento. Então escutei passos, e elas sussurrando. E eu meio que segui.”
“E agora você está pensando em seguilas na missão,” eu adivinhei.
“Como você sabia disso?”
“Porque se fosse minha irmã, provavelmente estaria pensando a mesma coisa. Mas você não
pode.”
Ele olhou desafiador. “Por que sou muito novo?”
“Porque elas não vão deixar. Vão capturá-lo e mandá-lo de volta para cá. E... sim, porque você é
muito novo. Você se lembra da mantícora? Haverá muitos outros como aquilo. Mais perigosos.
Alguns dos heróis vão morrer.”
Seus ombros caíram. Ele jogava o peso de um pé para o outro. “Talvez você esteja certo. Mas,
mas você pode ir por mim.”
“O que disse?”
“Você pode ficar invisível. Você pode ir!”
“As Caçadoras não gostam de garotos,” eu o lembrei. “Se elas descobrirem —”
“Não as deixe descobrirem. Siga-as invisível. Fique de olho na minha irmã! Você tem que fazer
isso. Por favor?”
“Nico —”
“Você está planejando ir de qualquer jeito, não é?”
Eu queria dizer que não. Mas ele me olhou nos olhos, e de alguma forma eu não consegui
mentir para ele.
“É,” eu disse. “Tenho que achar Annabeth. Tenho que ajudar, mesmo que elas não queiram.”
“Não vou dedurar você,” ele disse. “Mas você tem que prometer que vai manter minha irmã
segura.”
“Eu... isso é algo muito grande para prometer, Nico, em uma viagem como essa. Além disso, ela
tem Zoe, Grover e Thalia —”
“Prometa,” ele insistiu.
“Vou fazer o meu melhor. Prometo isso.”
“Vá indo, então!” ele disse. “Boa sorte!”
Era loucura. Eu não tinha arrumado as malas. Não tinha nada além do boné, a espada e as
roupas que estava vestindo. Supostamente, devia ir para minha casa em Manhattan nesta manhã.
“Diga a Quíron —”
“Vou inventar alguma coisa.” Nico sorriu torto. “Sou bom nisso. Pode ir!”
Corri, colocando o boné de Annabeth. Enquanto o sol aparecia, eu me tornei invisível.
Cheguei ao topo da Colina MeioSangue a tempo de ver a van do acampamento desaparecendo
pela estrada da fazenda, provavelmente Argo levando o grupo da missão até a cidade. Após isso
eles estariam por conta própria.
Senti uma pontada de culpa, e estupidez, também. Como eu deveria acompanhá-las?
Correndo?
Então escutei o bater de imensas asas. Blackjack pousou ao meu lado. Ele começou casualmente
a fuçar alguns tufos de grama que escapavam através do gelo.
Se eu fosse adivinhar, chefe, diria que você precisa de um cavalo de fuga. Está interessado?
Um caroço de gratidão se formou na minha garganta, mas eu consegui falar, “Sim.
Vamos voar.”

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