sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Capitulo 32 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 2

O que tinha sido, alguns minutos antes, um campo de batalha, agora tinha se transformado em confusão. O e-xército Wargal, livre instantaneamente do controle mental de Morgarath, vagueava sem rumo, esperando que alguma força lhe dissesse o que fazer em seguida. Toda a agressi-vidade os tinha deixado, e a maioria simplesmente largou as armas e partiu. Outros se sentaram e cantaram em voz baixa para si mesmos. Sem a orientação de Morgarath, pareciam crianças pequenas.
O grupo que tentava escapar pelo Desfiladeiro dos Três Passos agora estava parado em silêncio e imóvel, es-perando pacientemente que os da frente abrissem cami-nho.
Duncan examinava a cena atordoado.
— Vamos precisar de um exército de cães pastores para reunir essa turma — ele disse ao barão Arald e fez o conselheiro sorrir.
— É melhor do que tudo o que tivemos que en-frentar, meu senhor — ele disse, e Duncan teve que con-cordar.
O pequeno círculo de tenentes de Morgarath era uma questão diferente. Alguns foram capturados, mas ou-tros tinham fugido para a região deserta dos pântanos. Crowley, o comandante do Corpo de Arqueiros, ficou de-sanimado quando se deu conta de que ele e seus homens iriam passar vários dias, longos e duros, sobre a sela. Ele teria que organizar uma força-tarefa e enviar arqueiros pa-ra caçar os tenentes de Morgarath e trazê-los de volta para enfrentar a justiça do rei. “É sempre assim”, ele pensou aborrecido. Enquanto todos os outros podiam sentar e relaxar, o trabalho dos arqueiros continuava sem parar.
Horace, cheio de hematomas, marcas e sangue, ti-nha sido levado para a barraca do rei para ser tratado. Ele estava muito ferido depois do salto louco para debaixo dos cascos do cavalo de batalha. Tinha vários ossos que-brados, e uma orelha sangrava. Mas, para surpresa de to-dos, nenhum dos ferimentos era fatal, e o curandeiro do rei, que o tinha examinado imediatamente, estava confi-ante de que ele iria se recuperar totalmente.
Sir Rodney tinha corrido até o campo quando os ajudantes se preparavam para levar o garoto. Parado junto do aprendiz, ele tremia de raiva.
— Que diabos você pensou que estava fazendo? — ele rugiu fazendo Horace se encolher. — Quem lhe disse para desafiar Morgarath? Você não passa de um aprendiz, garoto, e muito desobediente, por sinal!
Horace se perguntou se os gritos iam continuar por muito tempo. E ele quase desejou voltar a enfrentar Mor-
garath. Estava atordoado, doente e tonto, e o rosto ver-melho e zangado de sir Rodney surgia e desaparecia na sua frente. As palavras do mestre de guerra pareciam saltar de um lado para outro de seu cérebro, e ele não tinha certeza de por que o homem gritava tanto. Talvez Morgarath ain-da estivesse vivo e, ao pensar nessa possibilidade, ele ten-tou se levantar.
No mesmo instante, a expressão de Rodney mudou e ele pareceu preocupado. Gentilmente, impediu o apren-diz ferido de se levantar, inclinando-se e apertando a mão do garoto com firmeza.
— Descanse, garoto — ele recomendou. — Você fez muita coisa hoje. Você se saiu muito bem.
Enquanto isso, Halt abria caminho entre os inde-fesos Wargals. Eles se afastavam para o lado sem nenhu-ma resistência ou ressentimento enquanto ele procurava desesperadamente Will.
Mas não havia sinal do garoto nem da filha do rei. Depois de ouvir os insultos de Morgarath, o rei e os ou-tros tinham se dado conta de que, se Will ainda estava vi-vo, havia uma chance de que Cassandra, que era o verda-deiro nome de Evanlyn, também tivesse sobrevivido. O fato de Morgarath não ter mencionado a moça indicava que sua identidade ainda era segredo. Halt imaginou que esse fora o motivo pelo qual ela tinha assumido a identi-
dade da criada. Ao fazer isso, tinha evitado que Morgarath soubesse o poder que tinha nas mãos.
Impaciente, ele empurrou outro grupo de Wargals silenciosos e parou ao ouvir um choro fraco.
Um escandinavo, quase morto, estava sentado, re-costado no tronco de uma árvore. Ele tinha escorregado para o chão. Suas pernas estavam estendidas na poeira e sua cabeça caía fracamente para o lado. Uma grande mancha de sangue marcava um lado do colete de pele de carneiro. Uma pesada espada estava ao seu lado, a mão fraca demais para continuar a segurá-la.
Ele fez uma débil tentativa de pegá-la e pediu ajuda a Halt com o olhar. Nordel, cada vez mais fraco, tinha soltado a arma sem querer. Debilitado, quase cego e sa-bendo estar perto da morte, ele não conseguia achá-la. Halt se ajoelhou ao seu lado. Ele percebeu que o homem não representava perigo, pois estava muito mal para tentar qualquer truque. Halt pegou a espada e a colocou no colo do homem, pondo as mãos dele no punho revestido de couro.
— Obrigado... amigo... — Nordel disse ofegando fracamente. Halt respondeu com um gesto triste. Ele ad-mirava os escandinavos como guerreiros e o aborrecia ver um deles naquela situação, tão fraco que não conseguia segurar a arma. O arqueiro sabia o que isso significava pa-ra os guerreiros do mar. Ele se levantou devagar e come-çou a se virar, mas parou.
Horace tinha dito que Will e Evanlyn tinham sido levados por um pequeno grupo de escandinavos. Talvez aquele homem soubesse alguma coisa. Ele se ajoelhou novamente, pôs a mão no rosto do homem e o virou para si.
— O menino — ele disse ansioso, pois sabia que tinha apenas alguns minutos. — Onde ele está?
Nordel franziu a testa. As palavras despertaram uma lembrança em sua mente, mas tudo o que tinha a-contecido parecia muito distante e sem importância.
— Menino... ? — ele repetiu com a voz rouca.
Halt não conseguiu se conter e sacudiu o homem agonizante.
— Will! — ele disse com o rosto a somente alguns centímetros de distância do do homem. — Um arqueiro. Um garoto. Onde ele está?
Uma breve luz de compreensão brilhou nos olhos de Nordel quando ele se lembrou do menino. Ele tinha admirado sua coragem. Admirado a forma como os tinha mantido a distância na ponte. Sem perceber, pronunciou as duas últimas palavras.
— Na ponte... — ele sussurrou, e Halt o sacudiu de novo.
— Sim! O menino na ponte! Onde ele está?
Nordel olhou para ele. Havia uma coisa que tinha que lembrar. Ele sabia que era importante para esse es-tranho de expressão zangada e queria ajudar. Afinal, o es-
tranho o tinha ajudado a encontrar sua espada. Ele se lembrou do que era.
— ...foi embora — conseguiu dizer finalmente.
Ele gostaria que o estranho não o sacudisse. Não sentia nenhuma dor, pois não conseguia sentir mais nada. Mas o gesto o acordava do sono quente e suave em que estava mergulhando. O rosto barbado estava bem longe dele agora, no fim de um túnel. A voz ecoava até ele atra-vés do túnel.
— Embora para onde?
Ele ouviu o eco. Ele gostava do eco. Fazia lembrar o... algum fato da infância.
— Onde-onde-onde? — o eco repetiu e então o homem lembrou.
— Os pântanos — ele disse. — Pelos pântanos até os navios.
Ele sorriu quando disse isso. Queria ajudar o es-tranho e tinha conseguido. E, desta vez, quando a maciez morna tomou conta dele, o estranho não o sacudiu. Ele ficou satisfeito com isso.
Halt se levantou e se afastou do corpo de Nordel.
— Obrigado, amigo — ele disse apenas.
Correu para onde tinha deixado Abelard pastando calmamente e saltou sobre a sela.
Os pântanos eram um labirinto de capim alto, ter-renos alagadiços e passagens sinuosas de água límpida. Para a maioria das pessoas, eles eram intransponíveis. Um passo em falso poderia fazer que uma pessoa afundasse
rapidamente num dos atoleiros pegajosos de areia move-diça escondidos por todos os lados. Uma vez nos brejos obscuros, era fácil se perder totalmente e vaguear até ser dominado pela exaustão ou ser encontrado pelas veneno-sas cobras-d’água.
Pessoas sensatas evitavam os pântanos. Apenas dois grupos conheciam as trilhas secretas que os atraves-savam: os arqueiros e os escandinavos, que vinham per-correndo a costa há mais tempo do que Halt podia se lembrar.
Mesmo sendo Abelard um cavalo de andar seguro, como todos os animais dos arqueiros, quando Halt entrou nas profundezas do labirinto de capim alto e terreno ala-gadiço, ele desmontou. Os sinais de trilhas seguras eram mínimos e passavam facilmente despercebidos, e ele pre-cisava estar perto do chão para segui-los. Ele não tinha caminhado muito quando começou a ver indícios de que um grupo tinha passado por ali. Halt se animou. Certa-mente eram os escandinavos, com Will e Evanlyn.
Ele apressou o passo e logo pagou o preço por agir assim, perdendo um sinal importante na trilha e acabando mergulhado até o peito numa grossa massa de lama sem fundo. Felizmente, ainda segurava as rédeas de Abelard com firmeza e, a um comando seu, o cavalo robusto o ar-rastou para fora do perigo.
Aquela era outra boa razão para continuar levando o cavalo atrás de si.
Ele voltou para a trilha, determinou sua posição e recomeçou a andar. Apesar de muito agitado pela impaci-ência, obrigou-se a avançar com cuidado. As marcas dei-xadas pelo grupo que tinha passado à sua frente estavam se tornando cada vez mais visíveis. Ele sabia que estava alcançando os escandinavos. A questão era se chegaria até eles a tempo.
Mosquitos e moscas do pântano zumbiam e gemi-am em volta dele. Sem o menor sinal de brisa, o pântano estava abafado e quente, e Halt suava em abundância. Su-as roupas estavam molhadas e encharcadas com aquela lama malcheirosa, e ele tinha perdido uma bota quando Abelard o puxou para fora do poço. Mesmo assim, conti-nuou mancando, aproximando-se mais de seu objetivo a cada passo.
Ao mesmo tempo, sabia que estava chegando ao fim do pantanal. E isso significava que se aproximava da praia em que estavam ancorados os navios dos escandi-navos. Ele tinha que encontrar Will antes que o grupo al-cançasse a praia. Depois que o garoto estivesse num dos navios, estaria perdido para sempre, pois seria levado para o outro lado do Mar das Tormentas Brancas, para a terra fria coberta de neve dos escandinavos, onde seria vendido como escravo e levaria uma vida de trabalho pesado e in-terminável.
Acima do cheiro podre dos pântanos, ele sentiu o perfume fresco de sal no ar. Estava perto do mar! Halt redobrou os esforços, esquecendo-se totalmente da caute-
la enquanto dava tudo de si para alcançar os escandinavos antes que chegassem à água.
O capim já estava rareando, e o chão debaixo de seus pés ficava mais firme a cada passo. Ele começou a correr com o cavalo trotando atrás dele e finalmente che-gou à praia varrida pelo vento.
Uma pequena elevação formada por dunas na sua frente bloqueava a vista para o mar. Ele saltou na sela ra-pidamente e fez Abelard galopar. Eles atravessaram as dunas, o arqueiro inclinado para a frente, colado ao pes-coço do cavalo, impelindo-o a aumentar a velocidade.
Havia um navio ancorado longe da praia. Na beira da água, um grupo de pessoas estava embarcando num pequeno bote e, mesmo aquela distância, Halt reconheceu a pequena figura no meio como o seu aprendiz.
— Will! — ele gritou, mas o vento do mar levou as palavras para longe.
Com as mãos e os joelhos, ele fez que Abelard a-vançasse.
Foi o bater dos cascos que alertou os escandinavos. Erak, com água até a cintura e empurrando com Horak o barco para o fundo da água, olhou sobre o ombro e viu a figura vestida de cinza e verde cavalgando em sua direção.
— Pelas barbas de Netuno! — ele gritou. — Va-mos depressa!
Will, sentado ao lado de Evanlyn no centro do bo-te, se virou quando o escandinavo falou e viu Halt a me-
nos de 200 metros de distância. Ele se levantou tentando manter o equilíbrio precariamente no barco instável.
— Halt! — ele berrou e, no mesmo instante, Sven-gal o atingiu com as costas da mão, fazendo-o cair no fundo da pequena embarcação.
— Fique abaixado! — ele ordenou quando Erak e Horak voltaram para o barco, e os remadores fizeram que atravessasse a primeira linha de ondas.
O vento, que os tinha impedido de ouvir o chama-do de Halt, levou o grito fraco do garoto até os ouvidos do arqueiro. Abelard também o escutou e se esforçou ao máximo, retesando os músculos do corpo e galopando a toda velocidade. Halt não estava segurando as rédeas, pois posicionava uma flecha na corda do arco.
A pleno galope, ele mirou e atirou.
O remador da proa soltou um grunhido de surpresa e caiu de lado sobre a amurada do barco quando a pesada flecha de Halt o atingiu e atravessou seu braço. O barco começou a girar, e Erak disparou para a frente, empur-rando o homem para o lado e assumindo o remo.
— Remem com toda a força! — ordenou. — Se ele chegar perto demais, estaremos todos mortos.
Agora Halt guiava Abelard com os joelhos, fazen-do-o entrar no mar e impelindo-o para a frente para tentar alcançar o bote. Ele atirou novamente, mas a distância era grande e o alvo estava se levantando e abaixando ao sabor das ondas. Além disso, Halt não podia atirar perto do centro da embarcação, pois tinha receio de atingir Will ou
Evanlyn. Sua melhor chance seria se aproximar o bastante para atirar com facilidade e atingir um remador de cada vez.
Halt atirou novamente, e a flecha entrou no fundo das tábuas do bote, a poucos centímetros da mão de Ho-rak, na popa. Ele puxou a mão com um movimento vio-lento, como se tivesse sido queimado, e gritou de surpre-sa. Então se encolheu quando outra flecha passou assobi-ando e caiu na água atrás do barco a menos de 30 centí-metros de distância.
Mas agora o bote estava se afastando, pois Abelard, com o peito mergulhado nas ondas, não podia mais man-ter a mesma velocidade. O cavalo se esforçava valente-mente dentro da água, mas o barco flutuava perto do na-vio, e Abelard ainda estava a 100 metros de distância. Halt impeliu o cavalo a se aproximar mais alguns metros e pa-rou derrotado quando viu as pessoas sendo içadas do bo-te.
Os dois passageiros menores foram conduzidos para o leme, perto da popa. A tripulação de escandinavos cercava os lados do navio, parada na balaustrada, soltando gritos de desafio para a pequena figura quase escondida pelas ondas agitadas e cinzentas.
No navio, Erak gritou para eles e se escondeu atrás da sólida amurada.
— Abaixem-se, seus idiotas! É um arqueiro!
Ele tinha visto Halt preparar o arco e suas mãos se moverem a uma velocidade incrível. As nove flechas que
lhe restavam estavam voando no ar antes que a primeira atingisse o alvo.
No espaço de dois segundos, três dos escandinavos parados na balaustrada caíram sob a tempestade de fle-chas. Dois deles estavam gemendo de dor, o outro estava assustadoramente quieto. O resto da tripulação se jogou no convés quando as flechas passaram sibilando e caíram com um barulho forte ao seu redor.
Com cuidado, Erak levantou a cabeça acima da amurada, certificando-se de que Halt não tinha mais fle-chas.
— Ponham-se a caminho — ele ordenou e pegou o remo de direção.
Will, temporariamente esquecido pelos escandina-vos, se aproximou da balaustrada. Eram apenas algumas centenas de metros e ninguém estava prestando atenção nele. Sabia que podia nadar aquela distância e começou a estender a mão para o parapeito. Mas então hesitou pen-sando em Evanlyn. Não podia abandoná-la. No instante em que refletia sobre o assunto, a enorme mão de Horak se fechou sobre a gola de sua jaqueta e ele perdeu a opor-tunidade.
Quando o navio começou a ganhar velocidade, Will olhou para a figura montada ao longe, atacada pelas on-das. Halt estava tão perto e, ao mesmo tempo, totalmente fora do alcance. Seus olhos se encheram de lágrimas e, muito distante, ele ouviu a voz de Halt.
— Will! Fique vivo! Não desista! Vou encontrar você aonde quer que eles levem você!
Sufocado pelas lágrimas, o garoto levantou o braço num gesto de adeus para o amigo e mentor.
— Halt! — ele gemeu, mas sabia que o arqueiro não poderia ouvi-lo. Mais uma vez, ele escutou a voz do mestre acima dos sons do vento e do mar.
— Vou achar você, Will!
Então o vento encheu a enorme vela quadrada do navio que se afastou da praia, movendo-se cada vez mais depressa na direção nordeste.
Durante um longo tempo depois que a embarcação tinha desaparecido atrás do horizonte, a figura encharcada permaneceu sentada em seu cavalo mergulhado nas ondas até o peito, olhando para o vazio.
Seus lábios ainda se moviam numa promessa silen-ciosa que só ele podia ouvir.

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