quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Capítulo 2 - AC Cruzada Secreta

Primeiro, o vigia percebeu as aves.
Um exército em movimento atrai comedores de carniça. Principalmente do tipo que tem asas, que mergulha sobre qualquer resto deixado para trás: comida, dejetos e carcaças, tanto de cavalo quanto humana. Em seguida, ele viu a poeira. E então uma vasta mancha escura surgiu no horizonte, projetando-se à frente aos poucos, tragando tudo que estava à vista. Um exército ocupa, rompe e destrói a paisagem; é uma besta-fera gigante e faminta que consome tudo em seu caminho e, na maioria dos casos — como Salah Al’din estava bem ciente —, a mera visão dela era o bastante para levar o inimigo a se render.
Não dessa vez, porém. Não quando seus inimigos eram os Assassinos.
Para a campanha, o líder sarraceno convocara uma modesta força de dez mil soldados de infantaria, cavalaria e seguidores. Com eles, planejava esmagar os Assassinos, que já haviam cometido dois atentados à sua vida e certamente não fracassariam uma terceira vez. Pretendendo levar a batalha para a porta deles, o sarraceno conduziu seu exército para as montanhas de An-Nusayriyah e às nove cidadelas dos Assassinos que havia lá.
Chegaram mensagens a Masyaf de que os homens de Salah Al’din tinham saqueado a zona rural, mas que nenhum dos fortes havia sucumbido. E que Salah Al’din estava a caminho de Masyaf com a pretensão de conquistá-la e reivindicar a cabeça do líder Assassino, Al Mualim.
Salah Al’din era considerado um líder brando e imparcial, mas se enfurecia com os Assassinos tanto quanto se intimidava. Segundo os relatos, seu tio, Shihab Al’din, o aconselhou a oferecer um acordo de paz. Ter os Assassinos a seu lado, e não contra, era o raciocínio de Shihab. Mas o vingativo sultão não se comoveu, e foi assim que seu exército fervilhou em direção a Masyaf em um radiante dia de agosto de 1176, e um vigia na torre de defesa da cidadela avistou as revoadas de pássaros, as grandes nuvens de poeira e a mancha negra no horizonte, e levou uma corneta aos lábios, soando o alarme.
Depois de estocar suprimentos, a população da cidade se mudou para a segurança da cidadela, apinhando-se nos pátios com os rostos marcados pelo medo, mas muitos deles montavam barracas para continuar a negociar. Enquanto isso, os Assassinos começaram a fortificar o castelo, preparando-se para enfrentar o exército, observando a mancha se estender pela bela paisagem verde, a grande besta-fera alimentando-se do terreno, colonizando o horizonte.
Eles ouviram as cornetas, os tambores e címbalos. E em pouco tempo conseguiram distinguir as figuras à medida que se materializavam do mormaço: milhares delas, eles viram. A infantaria: lanceiros, arremessadores de dardos e arqueiros, armênios, núbios e árabes. A cavalaria: árabes, turcos e mamelucos portando sabres, maças, lanças e espadas longas, alguns usando cotas de malha de ferro, outros, armaduras de couro. Viram as liteiras das mulheres da nobreza, os homens santos e os desordenados seguidores na retaguarda: as famílias, as crianças e os escravos. Eles viram quando os guerreiros invasores alcançaram a defesa externa e a incendiaram, e os estábulos também, com as cornetas ainda ressoando, os címbalos estrepitando. No interior da cidadela, as
mulheres da aldeia começaram a chorar. Previam que suas casas seriam os próximos alvos das tochas. As edificações, porém, foram deixadas intocadas e, em vez disso, o exército parou na aldeia, dando pouca atenção ao castelo — ou assim parecia.
Não mandaram nenhum enviado, nenhuma mensagem; simplesmente montaram acampamento. A maioria das tendas era negra, mas, no meio do acampamento, havia um punhado de pavilhões maiores, os aposentos do grande sultão Salah Al’din e de seus generais mais próximos. Ali, bandeiras bordadas esvoaçavam; as pontas das estacas das tendas eram romãs douradas, e as coberturas dos pavilhões eram de seda colorida.
Na cidadela, os Assassinos meditavam sobre a tática do inimigo. Salah Al’din atacaria a fortaleza ou tentaria matá-los de fome? Com o cair da noite, tiveram a resposta. Abaixo deles, o exército começou a agir, reunindo os mecanismos de cerco. Fogueiras queimaram durante a noite toda. Os sons de serras e martelos se avolumavam nos ouvidos daqueles que guarneciam os bastiões da cidadela e a torre do Mestre, onde Al Mualim convocou uma reunião com seus Mestres Assassinos.
— Salah Al’din nos foi entregue — declarou Faheem al-Sayf, um Mestre Assassino. — Esta é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.
Al Mualim pensou. Olhou pela janela da torre, pensando no colorido pavilhão no qual Salah Al’din estava então sentado planejando sua queda — e a dos Assassinos. Pensou no grande exército do sultão e em como ele tinha devastado a zona rural. Como o sultão seria mais do que capaz de
reunir uma tropa ainda maior se sua campanha fracassasse.
Salah Al’din tinha um poder incomparável, meditou ele. Mas os Assassinos... eles tinham astúcia.
— Com Salah Al’din morto, os exércitos sarracenos irão ruir — afirmou Faheem.
Mas Al Mualim balançava a cabeça.
— Creio que não. Shihab tomará seu lugar.
— Ele é metade do líder que Salah Al’din é.
— Então ele seria menos eficaz repelindo os cristãos — rebateu Al Mualim, bruscamente.
Ele às vezes se cansava dos modos manhosos de Faheem. — Desejamos ficar à mercê deles? Desejamos nos tornar a contragosto seus aliados contra o sultão? Somos os Assassinos, Faheem. Nosso propósito é nosso. Não pertencemos a ninguém.
O silêncio caiu sobre o aposento de odor adocicado.
— Salah Al’din é tão cauteloso com a gente quanto somos com ele — disse Mualim, após uma reflexão. — Devemos cuidar para que ele se torne ainda mais cauteloso.
Na manhã seguinte, os sarracenos empurraram um aríete e uma torre de cerco encosta principal acima. E, enquanto os arqueiros montados dos turcos abriam caminho, levando uma chuva de flechas à cidadela, os soldados atacavam as muralhas externas com suas armas de cerco, sob fogo constante dos arqueiros Assassinos e com pedras e óleo sendo despejados das torres de defesa. Aldeões se juntaram à batalha, atirando, dos bastiões, pedras nos inimigos e apagando os incêndios.
Nos portões principais, corajosos Assassinos faziam ataques pelas portinholas, combatendo a infantaria que tentava derrubá-los a fogo. O dia terminou com muitos mortos em ambos os lados, mas com os sarracenos recuando colina abaixo, acendendo suas fogueiras para a noite, consertando suas armas de cerco e montando outras mais.
Naquela noite, houve uma intensa agitação no acampamento e, pela manhã, o enorme pavilhão de cores brilhantes do grande Salah Al’din foi derrubado e ele partiu, levando consigo uma pequena tropa de guarda-costas.

Logo depois, seu tio, Shihab Al’din, subiu a encosta para se dirigir ao Mestre dos Assassinos.

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