Maffeo e eu permanecemos em Masyaf e
continuaremos aqui por enquanto. Pelo menos até uma ou duas — como posso dizer? — incertezas serem
resolvidas. Enquanto isso, estamos sob as ordens do Mestre, Altaïr Ibn-La’Ahad.
Frustrado por ceder o domínio dos nossos destinos desse modo, principalmente
para o líder da Ordem, o qual em sua idade avançada maneja a ambiguidade com a
mesma precisão cruel com que outrora manejava espadas e adagas, eu pelo menos
tenho o benefício de compartilhar de suas histórias. Maffeo, no entanto, não
possui tal vantagem e tem ficado cada vez mais inquieto. É compreensível. Está
cansado de Masyaf. Não gosta de percorrer as encostas íngremes entre a
fortaleza do Assassino e a aldeia abaixo, e o terreno montanhoso é pouco atraente
para ele. Maffeo diz que é um Polo, e após seis meses aqui, o desejo de viajar
é como o chamado de uma mulher cheia de curvas: persuasivo e tentador demais
para ser ignorado. Ele anseia por estufar as velas e partir para novas terras,
deixando Masyaf para trás.
Falando muito francamente, sua
impaciência é um tormento sem o qual posso viver. Altaïr está à beira de fazer
um pronunciamento. Posso sentir isso.
Então, hoje declarei: — Maffeo, vou te
contar uma história.
Que modos os desse homem. Somos
realmente parentes?, pergunto a você. Eu começo a duvidar. Pois, em vez de
receber essa notícia com um entusiasmo que claramente se justificaria, poderia
jurar que o ouvi bufar (ou talvez deva acreditar que ele podia simplesmente
estar sem ar por causa do sol quente), antes de me pedir em um tom bastante
exasperado: — Antes que me conte, Niccolò, você se importaria em me dizer do
que se trata?
No entanto, continuei: — Essa é uma boa
pergunta, irmão — respondi, e pensei um pouco sobre o assunto enquanto
seguíamos nosso caminho, subindo pela terrível encosta.
Acima de nós a cidadela pairava
sombriamente no promontório, como se tivesse sido talhada no próprio calcário.
Eu tinha decidido que queria o cenário perfeito para contar minha história, e
não havia lugar mais apropriado do que a fortaleza de Masyaf. Um castelo imponente
com muitas torres e cercado por rios reluzentes, que ocupava uma posição de
destaque diante da movimentada aldeia abaixo, o assentamento em um ponto alto
dentro do Vale do Orontes. Um oásis de paz. Um paraíso.
— Eu diria que é sobre conhecimento —
decidi finalmente. — Assasseen, como sabe,
representa “guardião” em árabe; os Assassinos são os
guardiães dos segredos, e os segredos que guardam são de conhecimento,
portanto, sim... — Sem dúvida pareci muito satisfeito comigo mesmo — É sobre
conhecimento.
— Então receio ter um compromisso.
— Ah?
— Eu com certeza acolheria muito bem
uma distração dos meus estudos, Niccolò. Mas não desejo um aumento deles.
Sorri.
— Certamente quer ouvir as histórias
que me foram contadas pelo Mestre.
— Isso depende. O seu discurso faz com
que elas soem menos do que interessantes. Sabe quando você diz que tenho
tendência a gostar mais de crueldade nas histórias que você me conta?
— Sim.
Maffeo deu um meio sorriso.
— Bom, tem razão, tendo mesmo.
— Então terá isso também. Afinal, são
os relatos do grande Altaïr Ibn-La’Ahad. Essa é a história da vida dele, irmão.
Acredite em mim, não vão faltar acontecimentos, e muitos deles, você ficará
feliz em perceber, têm derramamento de sangue.
Agora tínhamos subido o antemuro para a
parte externa da fortaleza. Passamos por baixo da arcada e atravessamos o posto
de guarda, subindo novamente ao irmos em direção ao castelo no interior.
Adiante de nós estava a torre na qual ficava os aposentos de Altaïr. Por
semanas eu o visitei ali e passei incontáveis horas ao seu lado, extasiado,
enquanto ele se sentava com as mãos entrelaçadas e os cotovelos sobre os braços
da cadeira alta contando suas histórias, com os velhos olhos mal podendo ser
vistos sob o capuz. E cada vez mais me dava conta de que aquelas histórias estavam
sendo contadas para mim com um propósito. Que, por algum motivo, ainda incompreensível
para mim, eu fora escolhido para ouvi-las.
Quando não contava as histórias, Altaïr
refletia entre livros e lembranças, às vezes olhando fixamente por longas horas
para fora da janela da sua torre. Ele agora devia estar lá, pensei, e enganchei
o polegar sob a faixa do meu gorro, o puxando de volta e sombreando os olhos
para enxergar a torre acima, não vendo nada além da pedra descorada pelo sol.
— Temos uma audiência com ele? — Maffeo
interrompeu meus pensamentos.
— Não, hoje não — respondi, apontando
então para uma torre à nossa direita. —Vamos lá para cima...
Maffeo franziu a testa. A torre de
defesa era uma das mais altas da cidadela, e era alcançada por uma série de
vertiginosas escadas, muitas das quais parecendo precisar de reparos. Mas eu
era insistente e enfiei a túnica no cinto, conduzindo em seguida Maffeo acima
para o primeiro nível, depois para o seguinte e finalmente ao topo. De lá
avistamos toda a zona rural. Quilômetros e quilômetros de terreno escarpado.
Rios como veias. Agrupamentos de povoados. Olhamos para Masyaf: da fortaleza
para as edificações e os mercados da vasta aldeia lá embaixo, a paliçada de madeira
da defesa externa e do estábulo.
— O quão alto estamos? — perguntou
Maffeo, parecendo um pouco nauseado, sem dúvida consciente de estar sendo
esmurrado pelo vento e de que agora o chão parecia muito, muito distante.
— Uns oitenta metros — respondi. — Alto
o bastante para deixar os Assassinos fora do alcance de arqueiros inimigos... mas o bastante também para
permitir que façam chover flechas e muito mais sobre eles. Mostrei a ele as
aberturas que nos cercavam por todos os lados.
— Daqui, dos balestreiros, eles
poderiam jogar pedras ou óleo sobre o inimigo, usando estas... — Plataformas de madeira se projetavam para fora e
nos movíamos agora por uma delas segurando em apoios verticais de ambos os
lados e nos inclinando para olhar para baixo. Diretamente sob nós, a torre precipitava-se na borda do despenhadeiro.
Ainda mais abaixo, estava o rio reluzente.
Com o sangue sendo drenado do rosto,
Maffeo recuou para a segurança do chão da torre. Eu ri, fazendo o mesmo (e no
íntimo contente por fazer isso, já que eu mesmo me sentia um pouco tonto e
enjoado, verdade seja dita).
— E por que você nos trouxe até aqui? —
perguntou Maffeo.
— É onde minha história começa — falei.
— De mais de um jeito. Pois foi daqui que o vigia viu a força invasora pela
primeira vez.
— Força invasora?
— Sim. O exército de Salah Al’din,
também conhecido como Saladino. Ele veio fazer o cerco a Masyaf, para derrotar os Assassinos. Oitenta anos
atrás, em um dia claro de agosto. Um dia muito parecido com o de hoje...
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